Só mesmo o vento me trará o que a memória teima em me
apagar.
Talvez o chiar dos pássaros aqui em cima nas árvores, o
rugido dos leões ao longe, o esmagar de folhas secas pelos pisar cauteloso dos
leopardos, ou, quem sabe a hiena que, movida pelo instinto de encontrar
cadáveres, me segue, por me julgar cansada e na esperança que eu caia, para de
mim fazer o seu deleite; talvez eles
todos me devolvam muitas das memórias.
Quem sabe bastássem
as hienas, sim as hienas, asquerosas, traiçoeiras!, com os seus dentes fortes e mandíbulas mais potentes
que as do leão bastássem para rasgar a carapaça que cobriu o meu cérebro,
cravadas bem naquele ponto que corresponde à memória, e, me farão acordar do
torpor que tudo me apaga na mente: O que
me contaste, o que tinha o dever de ter
escrito e não escrevi, tudo o que eu
tinha o dever de ter vivido e não vivi.
Levem-me lá deuses da floresta, levem-me lá, para ver se no local, a memória se me aviva!
Os deuses!...
Os deuses!...
Talvez só o vento! O vento que percorre todas as veredas,
florestas, cidades e estepes, savanas ou mesmo pântanos, talvez ele me traga
tudo, ou antes ,me leve até lá.
Prefiro que me leve. Quero prender-me aos cabelos do vento e,
bem rente às nuvens, voarei.
Prometo lá pintar uma tela onde ficarão escritas as histórias de manadas de luzes dos olhos das manadas de búfalos na noite, dos solavancos do jeep a atravessar as savanas, do barco a navegar o Púnguè ou a virar-se nos pântanos povoados de crocodilos, dos leopardos a comer o isco mesmo ao lado da tua choupana feita de ramos verdes, parecida à camisa de camuflado que vestias; para que não desse com a tua presença, do crocodilo que te mordeu e a ferida que fez gangrena, do braço que ía sendo amputado, das centenas de quilómetros por picadas com uma mão só a guiar o jeep e estrada de terra batida sem fim, numa viagem a parecer a última. Tu sempre a resistir, a resistir, sempre a resistir até ao dia em que não deixaram que resistisses…
Prometo lá pintar uma tela onde ficarão escritas as histórias de manadas de luzes dos olhos das manadas de búfalos na noite, dos solavancos do jeep a atravessar as savanas, do barco a navegar o Púnguè ou a virar-se nos pântanos povoados de crocodilos, dos leopardos a comer o isco mesmo ao lado da tua choupana feita de ramos verdes, parecida à camisa de camuflado que vestias; para que não desse com a tua presença, do crocodilo que te mordeu e a ferida que fez gangrena, do braço que ía sendo amputado, das centenas de quilómetros por picadas com uma mão só a guiar o jeep e estrada de terra batida sem fim, numa viagem a parecer a última. Tu sempre a resistir, a resistir, sempre a resistir até ao dia em que não deixaram que resistisses…
É tão difícil escrever! Sim, prefiro pintar que escrever.
Não há caneta ou teclado que seja capaz de por a cor que vejo, o cheiro que sinto
da terra molhada e dos raios a incendiar as árvores, a leveza e frescura do
amanhecer, o calor abafado do ocaso, a força da lua alaranjada a nascer e que
depois se vai fazendo puramente prateada, beijando o lago onde vaidosamente penteia os cabelos grisalhos.
Quero na capulana escrever-te, sim!, na capulana pintada de todas as cores que em ti sinto e para que um dia a já fraca
memória não me atraiçoe e negue, que me apaixonei por tudo quanto
és e me mostraste.
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