Acerca de mim

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Sintra/Miranda do Douro, Portugal
Gosto de pintar,de escrever e de fazer trabalhos manuais.Sou simples e verdadeira. Tenho que pôr paixão naquilo que faço, caso contrário fico com tédio. Ensinar, foi para mim uma paixão; escrever e pintar, continua a sê-lo. Sou sensível e sofro com as injustiças do Mundo. A minha primeira língua foi o Mirandês. Escrevo nessa língua no blog da minha aldeia Especiosa em, http://especiosameuamor.blogspot.com em Cachoneira de Letras de la Speciosa e no Froles mirandesas.

sábado, 19 de junho de 2010

Chega-te a nós, cidade!

Chega-te a mim cidade, tu que cravas na minha essência, golfadas de solidão.
Percorro-te em pisadas suaves como que a acariciar-te a calçada, mas indiferente, não dás por mim. Percorro-te e quanto mais avanço mais o peito me aperta, mais a multidão apressada me sufoca, mais me apresso também para não ser abalroada. Mas eis que um pé me falha, a perna perde o vigor e caio ao chão. Uma clareira se abre na minha direcção, estou de bruços, as lágrimas caiem-me face abaixo, quero erguer-me, levanto os olhos, vejo o céu azul acima dos telhados, uma nesga e vejo gente que foge, um jovem distraído pisa-me a mão. Gritei, mas o que é isto, que cidade é esta onde vivo, pois eu nem vivo e quiçá nem sobrevivo a tamanha solidão??!!
Arranjei força e ergui-me, sacudi o pó do vestido, com um lenço limpei as pernas manchadas de negro com o negro da cidade, cambaleante segui, no meio de gente igual a mim, solitária, cansada de ser gente que trabalha e nada tem, gente que quer trabalhar e nada tem, gente que já trabalhou e agora não e nada tem.
Mais à frente, debaixo das arcadas um sem abrigo areja a cama e fala com o cobertor sujo que lhe tapa as misérias dos dias, ajeita a camisa para parecer engomada e prepara-se para ir encontrar lugares de estacionamento para os carros que sabe que nunca terá, ganha uns euros para se picar, mas já nem sabe onde, está crivado, só lhe restam os testículos e sabe que um dia terá que ser, será nos testículos que irá picar para mais umas doses de alienação, quer chegar por umas horas a outra cidade onde veja estrelas, onde durma numa cama, onde tenha uma mesa cheia de iguarias, quer-se lambuzar com tudo, mas deste banquete só lhe resta uma ressaca, um papelão que lhe voa da cama, outro dia, mais lugares vazios para estacionar a puta da vida em que se meteu, quando, ainda moço e cheio de vigor se decidiu experimentar aquele pó adulterado misturado com limão, aquele dia não em que mais valia que não tivesse saído naquela noite, que lhe saiu a má sina, aquele pó que lhe lixa as veias, saído duma seringa onde partilha pobreza, desventura, doenças, solidão.
Olha para eles, cidade!...
Mais abaixo, uma mendiga de mão estendida pede esmola, tem ao colo uma criança, a outra está na barriga, numa barriga sem pão. Que história esconderão aqueles olhos de súplica, naquele corpo escanzelado, onde irá parir aquele filho, com que mão o segurará para continuar a ter uma mão estendida às misérias que lhe oferecem.
Olha para eles, cidade!
A multidão está a dispersar, seguindo diferentes rumos e, agora que estou só nesta esquina, já sinto menos solidão. A mendiga falou comigo, pediu-me esmola, ouvi uma voz que me era dirigida depois de longas horas, meti a mão na carteira, dei-lhe uma migalha de pão para o longo dia, para uma longa vida de mão estendida, para uma solidão no meio gente que corre e nunca chega a lugar nenhum.
Chega-te a nós, cidade!

2 comentários:

  1. Olá Adelaide: Lindo texto que descreve a triste realidade das nossas Cidades para quem os politicos não olham e quando olham não veêm, porque não lhes interessa. Desejo-te um bom fim de semana.
    Um Beijo
    Santa Cruz

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  2. A realidade dos tempos em que vivemos em que cada um olha para o seu próprio umbigo. Já nas aldeias um pouco assim é. Copiaram o que de pior havia nas cidades...

    Beijinhos

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