Se eu conseguisse destruir o dique
e as palavras livremente me escorressem,
tentaria escrever para ti uma canção,
com
a música de gestos e
palavras,
aquelas palavras que não digo,
que não ouço,
gestos que não tenho,
quando solitária caminho
ao lado duma multidão também solitária,
sonâmbula,
olhando sem nada ver,
tocando sem nada sentir,
seguindo neste tempo
num egoísmo a não deixar abrir
as portadas e as cortinas
para que o reverdecer dos campos
lhe entre através dos
vidros.
Olha!
Há Primavera lá fora,
há flores a abrir,
hortas a crescer,
indiferentes
à falta das palavras do poema!
Olha a margaça a falar com a papoila,
o lírio a abraçar a rosa,
a urze a beijar a giesta,
a violeta a crescer na friesta
e a sorrir para os
picos do tojo
indiferente ao picar;
uma aqui, outra ali,
algumas ou em multidão,
misturam aromas,
desabafam queixumes,
partilham alegrias e prantos
e,
quando de cortinas abertas
eu olho para além da vidraça
eu vejo que sem a
minha canção,
em harmonia elas nascem,
crescem, murcham e
morrem
e não sentem solidão
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