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Sintra/Miranda do Douro, Portugal
Gosto de pintar,de escrever e de fazer trabalhos manuais.Sou simples e verdadeira. Tenho que pôr paixão naquilo que faço, caso contrário fico com tédio. Ensinar, foi para mim uma paixão; escrever e pintar, continua a sê-lo. Sou sensível e sofro com as injustiças do Mundo. A minha primeira língua foi o Mirandês. Escrevo nessa língua no blog da minha aldeia Especiosa em, http://especiosameuamor.blogspot.com em Cachoneira de Letras de la Speciosa e no Froles mirandesas.

quarta-feira, 24 de março de 2010

A caminho da raia seca

Encontrei-me com a saudade e larguei-lhe a mão com um gesto brusco.
Solta-me!
Porque hei-de caminhar contigo se mesmo o presente me cansa! Não me venhas carregar as costas com esse passado como fardo de sola rija que tinha que contrabandear pelos caminhos da fronteira a corta mato, para não cruzar com as desumanidades desferidas sobre um contrabando de mísera subsistência.
Não vez que corro o risco de ir parar à prisão por causa de um punhado de fome que carrego?
Não te lembras dos ovos que me partiram a caminho da raia seca, tão seca quanto eu, que me esvaziaram a cesta e me queriam encher a mim, em cima da gemada que no chão ficou? Canalhas, filhos da puta, antes fome para todos os dias do que eu matar a fome a alguém a troco de chegar à fronteira.
É por isso que te solto a mão com violência.
Repara no que hoje te digo porque isto eu não te irei dizer novamente. Fizeste-me desenterrar o que eu já tinha enterrado há muito tempo num buraco com sete palmos de terra em cima, para não morrer de raiva e de vergonha.
Raiva dos que me roubaram o pão dos filhos, em fardos levados, em barros partidos, em favores pedidos, em favores forçados.
Filho da puta, cabrão de merda, hei-de esmagar-te os tomates para que deles não reste semente que semeies...
Mata-me, mata-me com a espingarda que o povo pagou e que carregas em nome da lei o do bom nome dum país. Atira se tens coragem quando eu fugir, para cobardemente, me atingires as costas.
É isto que me queres atirar, saudade?
Antes também tu me atires um tiro pelas costas, do que eu caminhar contigo a relembrar o que me oprimiu.
Ainda lhe estou a ver os olhos e aquela barriga gorda a querer ficar em cima, bafo de vinho saído duma bota espanhola roubada a caminho da fronteira, o som do rasgar da saia.
Cortei-lho com o desprezo na falta de faca, cortei-lho à dentada quando queria que lhe fizesse poucas vergonhas. Cortei-lho com os dentes e com a repugnância...
Cortei-lho e exibi-o como troféu no dia em que a ditadura terminou e me fez igual.
Cortei-lho quando deixei de carregar fardos a caminho da raia seca...
Cortei-lho neste preciso momento quando te quiseste abeirar de mim...

Como eu queria ver o sol neste dia claro e quente!...
Saudade!?
Só dos dias em que o sol raiou.
Hoje vejo o sol tão escuro...

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