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Sintra/Miranda do Douro, Portugal
Gosto de pintar,de escrever e de fazer trabalhos manuais.Sou simples e verdadeira. Tenho que pôr paixão naquilo que faço, caso contrário fico com tédio. Ensinar, foi para mim uma paixão; escrever e pintar, continua a sê-lo. Sou sensível e sofro com as injustiças do Mundo. A minha primeira língua foi o Mirandês. Escrevo nessa língua no blog da minha aldeia Especiosa em, http://especiosameuamor.blogspot.com em Cachoneira de Letras de la Speciosa e no Froles mirandesas.

segunda-feira, 29 de março de 2010

A Primavera por um dia

Ontem a Primavera entrou devagarinho, pé ante pé, envergonhada mesmo. Os seus braços estenderam-se pelo meu quarto, disseram-me que com a mudança da hora me atrasara para o encontro e, suavemente levantaram-me o édredon e me disseram, é hora. Sai que hoje fiz um pacto de são convívio com o sol, o céu está azul e as primaveras dos prados sacudiram as gotas da chuva, estão prontas para te sorrirem.
Obrigada Primavera, disse-lhe eu. Vou seguir campos fora agarrada aos teus braços perfumados e, ajudada, subirei montes, galgarei rochedos, saltarei riachos sem medo de cair. Mas não me soltes nem por um instante que seja, Primavera. O Inverno enregelou-me as carnes, imobilizou-me os tendões, e ao caminhar, os ossos rangem-me que nem soalhos de tábuas, velhos.
Vem, segura-te aqui, disse-me a Primavera.
Partimos as duas, sem tino nem medo, sem roupas quentes nem meias grossas. Uma camisola leve e umas calças elásticas para nos dobrarmos facilmente para apanharmos as flores e as merujas. Tão poucas, lamentei-me!...
A chuva foi muita, correram os regos da água, ensoparam os lameiros, mas de tanta e com o sol envergonhado e frio as sementes encolheram-se e com o medo foram levadas pela corrente. Deixando-se ir, quando chegaram ao ribeiro, já apodrecidas, pereceram. As mais fortes sublevaram-se contra as adversidades e aí as tens, poucas mas ainda assim fortes e verdes. Tenho pena não te poder prendar com muitas mais, como tu gostas, para que as pudesses comer, ali no cantinho da cozinha, junto à lareira.
Apressa-te não vá o cuco cantá-las; apesar do frio do Inverno usurpador dos dias que por lei me pertenciam, ele aí está há muito tempo e, de vez em quando canta; assustado mas canta. Ainda não se aventurou a por ovos, porque com tanta chuva que tem caído os ninhos que roubou aos outros pássaros inundaram-se e, como tu sabes ele é um calão. Houve dias em que até esteve constipado. Ainda lhe perguntei porquê que tinha chegado com o tempo frio. Respondeu-me que na terra onde vivia houvera um incêndio devastador e que lhe queimara o calendário. Depois, desorientado, não sabia a quantas andava e que perdeu a noção dos meses. Tudo isto me relatou a Primavera com uma expressão mista de derrota e de vergonha, por se ter deixado vencer pelo taciturno Inverno.
Cheguei cansada, com um pé a doer, mas passei um dia tão feliz na companhia da Primavera!
Fiz planos para continuar a cantar com os passarinhos, apanhar flores, fazer colares, procurar novamente o cuco para tentar posicionar-me de modo que me cantasse do lado direito, que assim dá sorte, mas quando acordei e olhei, o sol estava encoberto, a chuva começava a cair neste dia, mais um que o Inverno usurpou à Primavera.
Junto à lareira, no silêncio quebrado pelo crepitar da lenha a arder e o vento que lá fora uiva enraivecido, estou a escrever. Os dedos em nervosismo e inquietação de prisioneiros, pediram-me o teclado em deterimento do pano do pó e do aspirador.
Esses, calmos, estão aqui ao meu lado à espera. Querem desfazer as obras de arte tecidas pelas aranhas na minha ausência mas tal como eu, não têm pressa.
Assim, enquanto escrevo, continua-se a cumprir o equilíbrio da natureza permitindo às aranhas que construam as suas teias para apanharem outros bichos de que se possam alimentar. É o equilíbrio dos ecossistemas.
Os humanos cá estão para o destruírem!... Também eu irei dar mais um passo para a co-responsabilidade nessa destruição, usando detergentes ao invés da água com o tradicional sabão azul e branco, desinfectando, lavando, esfregando, gastando,perfumando, arranjando o habitat adequado ao aparecimento de alergias.
Estranhos tempos estes em que destruimos mesmo tendo consciência de que o fazemos!...
Estranhas pessoas que nós somos, estranhas e egoístas...
Estranha é também a Primavera que teima em não ficar...

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