Acerca de mim

A minha foto
Sintra/Miranda do Douro, Portugal
Gosto de pintar,de escrever e de fazer trabalhos manuais.Sou simples e verdadeira. Tenho que pôr paixão naquilo que faço, caso contrário fico com tédio. Ensinar, foi para mim uma paixão; escrever e pintar, continua a sê-lo. Sou sensível e sofro com as injustiças do Mundo. A minha primeira língua foi o Mirandês. Escrevo nessa língua no blog da minha aldeia Especiosa em, http://especiosameuamor.blogspot.com em Cachoneira de Letras de la Speciosa e no Froles mirandesas.

terça-feira, 28 de julho de 2009

De olhos fechados

De olhos fechados, velo-te serena,
como se fosse a lua. Não te vejo mas
imagino os contornos do teu corpo e
tatuo as minhas carícias na tua pele
morena, em sulcos de ternura.

Sinto o calor dos teus beijos
na minha boca sedenta e
aconchego-me nos teus braços,
lianas que me envolvem
e onde leve me balanço.

Desfolho as flores de esteva
e tomilho que colhi no campo
e te ofereço num cesto de vime
para me que me cubras o corpo nu,
para que me perfumes.

Depois, passo para o teu corpo
o perfume do meu, aroma bravio,
o mesmo cheiro onde me perco,
onde nos perdemos os dois,
onde nos encontramos depois.

Sei onde estás e caminho contigo
de mão dada pelas areias brancas
de uma praia, sob o olhar da lua,
reflexo prateado num mar sereno,
em vigília, feitiço, sonho ameno.

Nas águas prateadas daquele mar
molho os pés e com a mão em concha
salpico-te e tu, divertido,
como um menino,
corres atrás de mim,
para me salpicares também.

Alcanças-me. Caímos envolvidos,
embalados pelo som do mar
e aquecidos, esquecidos, os nossos corpos
dançam em sintonia, humedecidos,
em simbiose de calor
e fresco de maresia.

Sussurros doces ao ouvido,
abafados e que de tão abafados
se perdem
e assim ficamos,
ondas de mansinho,
voz de mar,
gaivotas de rochedos,
adormecidos, esquecidos,
corpos cobertos de luar.

Amigo, recupera os teus sonhos


Que fizeste dos teus sonhos,
amigo?
Desiludido, cansado,
entregaste-te à má sorte,
dobrado,
esperas a morte
que sentes como vida,
pela vida que não sentes.

Levanta-te amigo!
Olha a lua!
Por vezes tão enevoada
tão triste e sombria,
reaparece renovada,
resplandecente
e cheia de alegria,
te ilumina os passos.

Vem amigo!
Faz do meu ombro
o teu porto seguro,
faz do meu coração
a tua âncora,
do meu calor
a tua manta,
entrega-me em palavras,
a tua dor.

Abre as janelas da tua alma,
retira todos os cadeados
mesmo aqueles mais cerrados,
faz de ti a porta aberta
por onde te entre a luz
e o calor que te aqueça.

Amigo,
Recupera os teus sonhos
!

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Era pouca, a terra!...

…era pouca a terra para tanta gente!…

Fiquei a matutar naquilo que me disse duma forma tão serena e com tanta sabedoria.
Por isso as pessoas se fizeram lutadoras; nada é por acaso, continuava o menino…

Possui muita terra agora, mas continua a ser o mesmo menino como se não tivesse terra nenhuma. Segue sem parar, perseguindo os seus sonhos, caminhante agarrado a um pau para se encostar, deixando transparecer uma inocência cândida do menino que foi.
E assim segue lutando.
Tal como formiga a carregar comida para o formigueiro, segue o menino, sem descansar, como se estivesse a lutar por um bocadinho de terra para que o pão chegue para o ano inteiro, para que possa matar a fome aos filhos.

… é demasiada a terra, agora!
Como?
Se a terra não cresce!!!

Diminuiu a gente, há enxadas a mais, há terras de sobra doentes…

Deseja tirar o sofrimento àquela terra. Ouve-lhe os lamentos e gritos de solidão que não são mais que os lamentos e gritos surdos que do seu peito saem, quando dela se aparta…

Um dia matarão a solidão os dois, ele e a terra e, aquele menino voltará a brincar com a fisga por aqueles campos e fraguedos, perseguindo sonhos , coração renascido, terra outra vez com dono.!...

sábado, 25 de julho de 2009

À espera de um sorriso

Espero.
Uma espera sem tempo,
passos que passam
sem quase passarem,
olhos que me olham
sem me verem,
braços que se movem,
sem me abraçarem.
Cansada desta espera,
quem espera desespera
e neste esperar,
nesta angústia que dói e desatina,
nesta solidão a que o relógio me destina,
na torre da igreja,
sem se importar,
sou…
empurrada, comprimida,
esmagada.
Páro, encosto
e, ao lado da multidão vejo um rosto,
o do menino
que mendiga
e me oferece
O sorriso.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Libertei as palavras


Desatei as palavras
e deitei-as a voar…

As palavras assim libertas
juntaram-se a uma nuvem branca,
nun poema.

Declamei o poema com vigor
para tu o ouvires,
para fazer sair da tua alma
um sorriso,
ainda que triste…

Mas não!
A tua alma não ouviu o meu poema,
mesmo em gotas duma nuvem…

Esboça um sorriso...
Quero ver os teus olhos a brilhar
ainda que seja com uma luz ténue,
como a luz de uma candeia
que com uma brisa
se possa apagar.

Apagou-se a luz...
Apagou-se o poema...

Procurei-o na noite…
mas o poema voltou para a nuvem branca
e, desiludido...
por falta do teu sorriso,
como uma estrela cadente,
…calou-se para sempre...



.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Sem saberes a razão




Menina!
Lâminas penetraram o teu corpo íntimo,
houvem-se gritos de dor e morte.
Há sangue na terra vermelha,
derramado pelo teu corpo pequenino.
Quem sabe se a insensibilidade
que te impuseram com aquele golpe
não será o golpe de morte?
Ouço os gritos da menina,
ouço o desalento da mulher.
A cultura e o tribalismo,
a ignorância e o egoísmo
querem-te mulher submissa,
cumpridora do dever de mulher,
mas tu menina és menos mulher
desde que a tua mãe te entregou a carrascos,
facas cortantes, lâminas que castram, costuras,
no ritual de passagem.
Menina!
Menina, mulher mutilada,
não uses tu a bandeja,
não entregues o frutos das tuas sementes ao carrasco!
Menina tão pequenina, que poderás tu fazer?
Menina, mulher mutilada,
exige que a tua filha possa ser mulher!

terça-feira, 21 de julho de 2009

Noite sem fim


Fugiram-me as estrelas
na palidez da lua.
Sustenho gritos de dor,
lamentos,
tenho o coração ferido,
partido.
Instalou-se a noite,
a noite fria.
O céu está vazio,
foram-se as estrelas
na palidez da lua.
Ficou a noite.
Levem-me esta noite,
tirem-me da escuridão,
eu morro de frio.
Os meus sonhos!
Devolvam-me os sonhos!
As minhas estrelas!
Devolvam-me as estrelas!
Ah, esta noite sem fim!…

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Danço-te


Danço-te…
Em valsa
Sala dourada
Leveza
Flutuando
Embalada
Danço-te…
Em tango
Paixão
Quando me empurras
Me afastas
Me puxas
E com o olhar
Sedução
Me bebes
Desejada
Danço-te…
No ritmo do samba
Quando vibro
Em movimento
Livre
Extasiada

Danço-te…

Que há para além...




Abro a minha paisagem
Passagem
Para além do agora
Porta aberta
Janela aberta
Silêncio
Aurora
Que há para além do rio
Feito de lágrimas
Dos justos
Que há para além do rio
Feito de favores
Dos corruptos
Que há para além do rio
Dos que morrem
Indefesos
Dos que vivem
Amordaçados
Dos que são
Injustiçados
Que há para além do meu rio
Feito de alegrias e penas
De sonhos
Feitos poemas
Em mim
Que conheço
E do que
Desconheço
Em mim...
que há para além...

domingo, 19 de julho de 2009

Os filhos que tu pariste

Carregas nos ombros,
um fardo que não pediste,
carregas na tua alcofa,
desdita que não pariste.

Curvada sobre ti mesma,
não dobrada na tua sina,
hás-de vencer a batalha,
hás-de vencer, destemida!

E vais-te livrar do fardo,
da vida que agora carregas,
da servidão, da fome
e da injustiça que renegas.

A enfrentar a multidão,
seguirás de punho em riste,
para da tua servidão
para sempre te libertares
e na alcofa só carregares,
os filhos que tu pariste.

sábado, 18 de julho de 2009

No meio de nada

Dores...
Dores de não te ter,
me trespassaram,...
dores de te ter e te perder,
me esvaziaram...
Caminho,
sem rumo,
sem destino e,
procuro-te...
no meio de nada:
Numa fonte,
no fundo dum copo
de bebida inacabada,
na flor a brir,
no orvalho da manhã,
na borra de café que secou,
no gin tónico que evaporou,
na lágrima que deslizou
e me inundou.
Procuro no fundo da minha essência,
algo me preecha este vazio...
...penosa ausência.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Falo de amor


Falo de amor
como quem compõe uma sonata
ou toca piano, dedilhando teclas.
Falo de amor
como quem toca guitarra
e lhe rouba sons
para uma serenata.

Falo de amor
como quem toca violino,
encostado ao ouvido,
junto ao coração;
vibração de cordas,
vibração de sentidos,
sons tristes, alegres,
sons que são gemidos,
melodia de amor,
dor, perda,paixão.

Falo de amor
como quem lê a partitura,
como quem rege a orquestra,
sempre em vibração;
melodias suaves,
sons que são loucura,
olhos que se olham,
movimentos,
cordas, teclas,
sopro, percussão.

Paleta cromática de letras


É nas tintas que mergulho
e esqueço
tempestades de areia
que me incendeiam os sentidos.
É em ti paleta de cores
da terra que piso
que me liberto e prossigo.
Ah tela branca
que me amedrontas
quando te penso,
és folha branca
em que me meto
e liberto!
Acerquem-se de mim
e libertas,
vivamos a vida,
esperança renascida.
É nas palavras que navego,
e luto
contra os uivos do vento
que me secam a pele,
me secam a boca,
me lançam
contra mim própria.
É nas tintas do poema,
nesta paleta de letras cromáticas
que me encontro,
amo, vivo
e me perco...

Paraísos celestes

Mergulho na música dos violinos…
O som dos violinos
faz-me esquecer o mundo;
por momentos deixo de existir.
Ausente, com aquela música divina
que me entra pelos ouvidos,
pelos poros e me arrepia,
faz-me caminhar
por mundos que desconheço,
por paraísos celestes.
Depois, os violinos esvaem-se
e quase que perecem
em sons de agonia,
e se despedem;
sons tão ténues,
quase imperceptíveis,
como que presos à vida
por uma linha de teia,
um fio de seda!…
Aos poucos ganham fôlego,
recomeçam e,
rapidamente o som se eleva
tão fortemente
que o meu corpo se agita,
o coração bate descompassado
e os violinos gritam,
choram,
gritam,
em desespero,
em delírio,
em euforia.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Que sabes tu?



Que sabes tu da miséria,
se vives alienado?
Passas,
de coração engravatado,
pontapeias o papelão
que me serve de colchão,
e continuas apressado.
Que sabes tu da fome,
da fome e raiva que sinto,
se vives empanturrado?
Raiva das intenções,
fome de oportunidade,
de justiça,
raiva da podridão,
da maldade,
dos empresários
que por ganância,
querem mão de obra barata
e vão.
Que sabes tu de mim,
deste andrajo que tu vês?
Pensas tu que eu era assim
e sou preguiçoso talvez?
Roubaram-me tudo:
O trabalho, a casa,
o meu mundo, a dignidade,
a água para me lavar;
e a idade
é pouca ou muita,
conforme lhes interessar.
Que sabes tu de mim,
deste monte de farrapos,
nas arcadas da tua rua?
Eu que era bem vivido,
bem falante
e tal como tu, pedante,
nesta verdade crua,
agora virei sem abrigo.

Que sabes tu?
Nem eu sabia!...
Um dia!...

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Rasga!


Rasga o caminho
rasga a calçada
rasga-me os pés,
para que não pise
e voa comigo.

Rasga-me o peito
amargurado,
o coração bata
descompassado
e bate comigo.

Rasga-me a alma
aprisionada,
para que se solte,
que se liberte
e solta-te comigo.

Rasga-me a roupa
rasga-me a pele
com os teus beijos,
os teus abraços
e fica comigo.

terça-feira, 14 de julho de 2009

O silêncio das palavras


Esperneio as palavras,
empurro-as contra a parede,
para definir-me;
quero corrigir-me,
mas as palavras
remetem-se ao silêncio,
nada me dizem.

Porque serei eu aquilo
que não quero
e trilho
os caminhos gretados,
pés descalços,
cansados?!!

Porquê que
quando quero,
a seguir não quero,
porque não devo?!!

Porquê que
o poder da razão
se sobrepõe
à leveza do coração
e o faz sangrar perdido
desvanecido,
golpeado de morte,
entregue à sua sorte?!!

Agito as palavras
num frenesim de loucura,
numa ânsia de afogado,
mas as palavras,
fechadas em clausura,
em pacto com o não querer
que me aprisiona
e não me deixa ser,
remetem-se ao silêncio,
a este silêncio...
ao meu silêncio,
o silêncio das palavras.




Vem à noitinha!




Não te despediste, rouxinol
E partiste sem mais nem menos.
Sinto que te perdi!
Falta-me o teu canto pela madrugada,
Pela manhã, pela tardinha;
Volta para mim
Vem visita-me ao menos, à noitinha.

Perdi-te meu amor
E perdida fiquei eu.
Mas como pode alguém perder,
O que nunca lhe pertenceu?

Nunca te tive,
Nem te poderia ter.
Tu és livre!

domingo, 12 de julho de 2009

Sabemos nós

Que sabe de nós o mundo
Que sabem de nós?

Dos nossos anseios, dos nossos receios,
das nossas derrotas, das nossas vitórias,
em nós perdidas em nossas memórias ,
em nossos ais,
nas dores i síndromes menstruais,
nas dores maternais,
nas mudanças hormonais,
a menos e a mais!

Dos nossos desejos,
dos nossos prazeres,
sentidos ou não,
perdidos, fingidos,
das nossas culpas,
das nossas desculpas,
do nosso perdão.

Que sabe de nós, o amigo,
o eis e o companheiro,
o patrão?
Que sabem de nós?

Das nossas olheiras,
das nossas canseiras,
das estrias, da celulite,
dum filho que tem uma otite
e da filha que fez asneiras.

Que sabes dela?
Da cintura que escapou,
do verniz que estalou,
do cabelo que não arranjou,
da boutique que não visitou,
do dinheiro que não esticou.

Sabemos nós!...

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Com o sal do mar


Fiz um poema
enquanto nadava
na água do mar.

Para o escrever e
à procura de letras,
senti-me tão leve
que eu já flutuava.

Em braçadas de frases,
gravei-lhe emoções,
nas águas liberta,
libertei o poema,
de cadeias, prisões.

Escrevi-o nas conchas,
nas algas marinhas,
nas pedras do mar,
gravei-o no céu
azul a brilhar.

Na onda gigante,
com ele a saltar,
libertei o poema
para ele se secar.

Escrevi um poema
com o sal do mar.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Coitado do poeta!


Não vala a pena estragar a noite,
a madrugada.
O poeta está vazio
e o poema fugiu,
entregue à sua sorte,
em desvario.

Deram um mote ao poeta
mas o poeta não gostou;
deram versos ao poeta
e o poeta não aceitou.

Deixem livre o poeta,
para os seus dedos
parirem o poema...

Musa inspiradora
desce do teu céu,
dá-lhe inspiração!

A musa chegou,
mas o poeta
em abandono,
morto de sono,
à musa disse que não.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Ama-te, mulher


Porque te escondes atrás das grades da prisão em que te enclausuraste?
Porque te escondes numa concha que te asfixia?
Destrói os estores opacos da alma e olha para dentro de ti.
Puxa a cortina que tens nos olhos e olha para fora de ti.
Vês?
Os teus lhos são brilhantes,
o teu corpo é sensual,
a tua alma é cristalina e,
vês mulher, tu és dona do mundo, do teu mundo...
Tu és dona de ti.
Rebenta os muros que te vedam a alma e te tornam escrava dos outros e escrava de ti própria.
Sai da concha da tua clausura!
Não vês que a concha está seca, sem oxigénio e, assim morrerás asfixiada?
Rebenta o ferrolho dessa prisão.
Olha o sol radioso, as flores, os pássaros.
Olha o firmamento em noite estrelada,
elege uma constelação como tua,
brilha com as estrelas e,
depressa serás, a mais brilhante delas.
Do tecido das cortinas que trazes nos olhos,faz as tuas bandeiras: do amor próprio, da auto-confiança, da independência, da liberdade.

Vai mulher, conquista-te e ama-te.
Depois... mulher, ama!

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Escolha o título, o leitor


Eu sou brisa, sou vendaval
Nevoeiro, tempestade
Eu sou começo, sou fim
O meio não é para mim
Sou de extremos, na verdade.

Pertenço ao mundo e a mim
E só me dou se eu quero
Sem posse e só assim
Sem cadeias, sem atilhos
Porque a liberdade venero.

Tenho a força da nortada
A fragilidade da maresia
O rubor da rosa encarnada
De açucenas a candura
Do malmequer, a fantasia.

Por muito que a mente
Me diga que não
Ouço a voz do coração
E depois gero um conflito;
O coração fica aflito
Eu imponho-me, eu refilo
Alto lá, eu mando aqui
Eu que sou coração e mente
Eu que sou gente
E no todo, eu decido.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

De avião

Gosto de andar de avião. É certo que caiem, mas eu quase que ignoro esse pormenor. Afinal um dia tenho que morrer…
Custa-me o que antecede a viagem, até fazer o check in. Dá-me ansiedade e muito provavelmente pelo receio de não chegar a horas. Tenho a mania da pontualidade o que em Portugal me causa penosas esperas, mas ainda assim, continuo a ser pontual e apanho grandes fúrias pela falta de pontualidade de muitos outros.

Sentada no avião, um massajar de ouvidos ao subir e descer e tudo o resto decorre em perfeita normalidade. Na verdade nunca apanhei nenhum susto que me tenha causado suores frios e por isso a minha relação com o avião é de perfeita amizade.
De caminho a Istambul, sentada na coxia, primeiro escrevi num bloquinho que me acompanhou na viagem para pequenos apontamentos. Além de outras coisas, escrevi um poema que mais tarde publicarei.
Depois, a hospedeira entregou a cada passageiro uns auscultadores e a partir daí ouvi música clássica, somente interrompendo quando serviram o jantar. Um jantar fantástico de comida turca pois viajei através da Turquish Airlines. Foi a primeira vez desde há muitos, muitos anos que me foi servida numa viagem de avião, uma refeição com qualidade.

Depois, a música de novo até me levantar, para sair em Istambul. Através dela viajei no tempo, em cima de nuvens brancas como aquelas que o avião atravessou. Através dela, revelei fotografias dos negativos arquivados na minha mente, desde há muito tempo. A história de amor e as cenas de paixão do filme fantástico Anna Karenine que vi uma única vez e me provocou um pranto.
Com o Bolero de Ravel transpus para os meus olhos as imagens magníficas do bailarino que encheu com a sua extraordinária interpretação, aquele palco vermelho e redondo, com que terminou o filme espantoso “Les uns et les autres”, cuja história gira em torno de quatro famílias de músicos, durante a segunda guerra mundial.
Outras músicas não menos belas passaram e se repetiram, menos marcantes em termos de emoções à excepção de uma, cujo compositor não consigo identificar. Provavelmente está associada a um filme que vi mas cujo nome não recordo. É uma daquelas músicas que me leva às lágrimas e que desta vez não foi excepção nas várias vezes que de olhos fechados, a ouvi.

Três dias depois assistimos a um concerto de música clássica, na Igreja de Santa Irene, mais tarde mesquita e agora apenas usada para aquele fim (apenas um àparte que poderá servir de informação para quem ler este e texto). Fica junto ao palácio Topkapi.
Um concerto fantástico que culminou na parte final, com a 5ª sinfonia de Beethoven.

A viagem terminou com o tempo a passar depressa. A passagem pelo guiché Visa, por outro para apresentação do passaporte, as malas que chegaram rapidamente, um táxi por dezassete euros, muitíssimo barato em relação à distância e eis-me chegada ao belíssimo apartamento sobranceiro ao Bósforo, na encosta, relativamente próximo da praça Taksim.

Que maravilha, exclamei eu quando subi à sala de paredes de vidro e ao terraço, ao ver as luzes do lado asiático reflectidas no canal, os barcos, as gaivotas que sobrevoavam o céu e que num edifício alto do pico da colina se aglomeravam e com a luz, vistas de baixo, pareciam bailarinas clássicas com vestidos de tules brancos a dançar em bicos, levitando.

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