Acerca de mim

A minha foto
Sintra/Miranda do Douro, Portugal
Gosto de pintar,de escrever e de fazer trabalhos manuais.Sou simples e verdadeira. Tenho que pôr paixão naquilo que faço, caso contrário fico com tédio. Ensinar, foi para mim uma paixão; escrever e pintar, continua a sê-lo. Sou sensível e sofro com as injustiças do Mundo. A minha primeira língua foi o Mirandês. Escrevo nessa língua no blog da minha aldeia Especiosa em, http://especiosameuamor.blogspot.com em Cachoneira de Letras de la Speciosa e no Froles mirandesas.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Faltas-me (de Mia Couto)

Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés

Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas

Seja eu de novo tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta

Traz
de novo, meu amor,
a transparência das águas
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono.


Mia Couto

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Nun recanto do tempo

Sentada num recanto do tempo, sou tarde de temporal.
No regaço coloco as mãos frias como que a esperar que a chuva passe, o vento deixe de sibilar, as ondas alterosas deixem de me atormentar.
Ponho as mãos no regaço, perdidas, cansadas, inertes, à espera, neste cais que se desintegra, numa espera inútil, onde nenhum barco atraca, farol que não dá sinais.
De repente o crepúsculo cai, a noite fria surge, a noite de naufrágios, a minha noite. Sento-me nos destroços, as ondas rebentam aos meus pés, fortes, gigantescas e a minha alma chora ao ritmo da rebentação.
Sinto-me perdida, sem pontos cardeais, sem bússola, tentando encontrar as ruelas da madrugada que anelo, a que tenha a frescura da hortelã, o cheiro da madressilva, o gosto da amora, a brandura e a macieza do linho gasto.
A noite tapou as ranhuras à madrugada e, asfixiada pela impotência de nascer, recolheu-se atrás de nuvens densas, castelos de fumo.
Lá ao longe, um farol a mostrar-me outro rumo, um barco que se volta, o meu regaço que se inunda, as minhas mãos que submergem, o meu peito que agoniza, o cais a desintegrar-se, e eu, noite de naufrágios,... no recanto do tempo onde me sento...

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Fui mulher


Eu fui silêncio!...
Por longos dias, longos anos,
eu fui silêncio:
Engolido,
vomitado
aumentado.
Eu fui perdão,
eu fui medo!...
Por longos dias, longos anos,
eu fui perdão consentido,
medo multiplicado
de insultos, dores,
humilhacão.

Como sopa engoli mágoa,
a impotência com água,
a dor com lágrimas,
parti espelhos, estilhacei sonhos,
calei palavras, sequei gestos
ganhei tiques,
construí diques...

Quebrei o silêncio,
a rastejar ergui-me,...
reagi amedrontada.
Depois,
fiz-me a mulher coragem
da penumbra dos meus dias,
pássaro esmiuçado na ponta do bastão,
que indefeso cai ao chão.
E,
aos meus olhos
a noite voraz desceu
em pleno dia
e,
os meus olhos foram noite,...
na paz da noite!...

domingo, 22 de novembro de 2009

Fascínio

Um sábado de Outono com cheiro a Inverno: chuvoso, húmido, frio.
De vez em quando apetece-me ver o mar; quem lê o que escrevo, apercebe-se facilmente do fascínio que o mar exerce sobre mim. Não posso dizer que seja uma paixão embrionária, com cordão umbilical ainda por cortar. Afinal de contas só toquei a água do mar quando tinha dezanove anos. Digamos que foi uma paixão à primeira vista.
A primeira ida à praia valeu-me uma insolação. O fascínio à mistura com a falta de experiência relativamente aos perigos que a minha pele tão branca e rosada corria, chegada a Moçambique pouco tempo antes.
Perdoei-lhe a insolação e no fim de semana seguinte, lá estava eu a chapinhar na água, como uma criança.
O mesmo fascínio ainda hoje sinto, muito embora permaneça na praia pouco tempo, pelos perigos que hoje em dia se correm, incomparavelmente superiores aos de então, tudo devido à forma como temos vindo a tratar o belo planeta azul.
Hoje fiz-lhe uma visita, curta, certa de não correr o risco de insolação.
Fiz um pequeno percurso de carro, não mais que quinze quilómetros, julgo eu, até à praia de S. Julião, atravessando algumas belas e típicas aldeias de Sintra. O dia convidava à lareira, mas ainda assim preferi dar uma voltinha debaixo de uma atmosfera que se assemelhava a Natal.
O limpa pára-brisa do carro andou num rodopio. Apesar disso, fui admirando a paisagem da região saloia.
O céu era prateado, carregado de nuvens desejosas de despejarem a chuva, para logo a seguir se irem abastecer ao mar, ali tão perto.
Mal se podia vislumbrar a paisagem nitidamente para além de curta distância, devido ao manto de fino nevoeiro; as casas mostravam-se esbatidas, quais aguarelas pintadas em cores pastel muito suaves.
A estrada começou a ser em declive e com algumas curvas, sinal que o mar estava perto. Estávamos a contornar o monte que do lado do mar se transforma em falésia escarpada.
Dois bares: um junto à areia, outro, o meu preferido, lá no alto, à altura ideal para ver o mar relativamente perto, sem que se correr o risco de levar com as ondas.
O mar de Sintra, agitado, raivoso, a espumar.
Já o tenho observado em dias de Inverno, que de tão zangado, as suas ondas batem de tal forma contra os rochedos, que, em cima se cria uma chuva miudinha.
As cadeiras da parte exterior, em cor laranja e verde abacate esperam melhores dias, dias sem chuva e soalheiros. Lá dentro, a salinha com vista directa para o mar estava fria; aberta no Verão, o sistema de transformação para o tempo frio não é de todo eficaz.
Um café quente com uma queijada de Sintra, fresquíssima, diga-se, para aquecer um pouco.
Sentada estrategicamente para melhor ver a ondulação, ela vinha de encontro ao meu olhar. A quase imperceptível linha do horizonte era cinzento escuro, tão escuro como era o mar que lhe ficava perto, depois, a ondulação caminhava majestosa, a rebentar de espuma. O mar assemelhava-se a um manto gigantesco de tule branco a remexer em harmonia, tais bailarinas clássicas dançando ballet ao som das ondas.
A chuva ainda caía.
Despedi-me do mar.
Respirei fundo e levei em mim o cheiro a maresia.

sábado, 21 de novembro de 2009

Ai!!! Solta-me os nós...


Não me acorrentes!!
Quer queiras ou não, partirei.
Terás a certeza do que te digo quando olhares o mar.
Lá estarei nesse mar, na crista da onda.
Não me vês??
Estou no meio daquela espuma.
Tu não me vês!...

Fecha os olhos, abre o coração, depois… depois ver-me- ás!

Não me prendas!!
Na mesma correrei.
Olha os lameiros. Não me vês a rebolar na erva cortada de fresco, com o vestido manchado de verde? É lá que estou.
Não vês os gafanhotos a saltar à minha frente?
Não me vês!!!

Fecha os olhos, abre a alma ao sonho e vem saltar comigo no lameiro ceifado de fresco, onde as gadanhas foram orquestra, interpretando sinfonias que só serão ouvidas por alguém que alguma vez perseguiu gafanhotos num lameiro acabado de ceifar.
Solta-te…
O sonho não tem limites. Em sonho podes chegar ao que quiseres, onde quiseres.
Só tu és dono dos teus sonhos, mais ninguém. Aliás, se bem pensares, para além dos dias que já viveste, não és dono de mais nada.
Não vens?

Ai!!!

Então desata-me esses nós que me prendem ao chão!!!
Já os desataste?
O lado sonhador acaba por vencer o lado racional, e...

Adeus!!!...

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Solto-me do meu cais




Solto-me do meu cais,
envolvo-me nos teus rubros e dourados,
cubro-me com as folhagens do tempo,
ausente te contemplo
e contigo sou brisa, ventania,
calor e invernada.
Às vezes sou música que te anima,
outras,
sou a solidão que cresce nos apeadeiros
duma linha sem comboios.
Contigo quero chamar-me esperança,
renhida luta,
insistente luta, feroz...
Luta com as imagens que me ocupam,
a saudade faz-se rio...
Quero uma foz para esse rio,
de modo a que o caudal não cresça...
O mar está longe
e a foz,
é uma lagoa pantanosa
onde a água,
devagar, tão devagar, vai indo...
Visto-me de folhas de carvalho e freixo
quando o vento as leva,
ao aconchego
onde me deito,
refúgio adoçado pela brisa,
onde me escondo
das neblinas dos meus dias,
e, nesse aconchego,
sou esperança, descrença,
sou ermo, multidão;
sou tudo,...
e não sou nada!...
Sou herói duma batalha;
poeiras de uma estrela cadente
que se despenha, se espalha;
um minúsculo grão de areia,
que se escapa dos demais!!!....
Visto-me de tudo e de nada,
neste cosmos,
...solta do meu cais.

Devolvo-me...


Devolvo-me...

Devolvo-me
À origem do meu ser.
Barro amassado
Estátua por modelar
Poema adiado
Palavras por rimar.

Devolvo-me...

Devolvo-me intacta
Eu mesma...
Devolvo-me à raiz
Que me segure
E forte me prenda.


Devolvo-me...

Devolvo-me à secura
Para voltar a nascer
Na frincha dum rochedo
Virado a Norte
Para ser
Uma flor
Numa mistura de violeta e cardo
Singela
Forte
Da cor do amor.


Não peço...
Ponto para teatro
Rede para equilibrismo
Cavalo para tourada
Prémios
Palmas
Nada!!...

Basta-me...
Mãos que me aqueçam
Olhos que me bebam
Corações que me amem
Almas que me completem...

Devolvo-me...
Barro
Fraga
Seda
Água
Tronco de madeira
Mas...
Devolvo-me...
Inteira!

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Assim fico... Adormecida.




Aperto-me no gesto contido dum abraço, no silêncio da noite, suspensa, numa cama presa a colunas de granito.
No chão, sardinheiras com aroma acre, rubras, brancas, folhas verdes de veludo,
inebriada estou, nesta envolvência.
Luzes ao longe, quem sabe, de barcos perdidos.
A olhar as estrelas abro as mãos e lhes peço
que desçam
e partilhando a cama,
me entreguem luz, a luz resplandecente.
As estrelas fugiram, antes da madrugada intimista.
Nem uma vela acesa,
luz trémula que fosse, fumo a esvair-se,
juntamente com o fumo do cigarro
que apago com a ânsia de o ter aceso.
Mas ah, como me apetece acendê-lo, soprar o fumo em deleite, vê-lo subir!
A vela terminou, da vela resta o pavio,
na minha alma a solidão,
a solidão que tantas vezes me apetece,
nesse espaço meu onde respiro e me vejo.
Descaíram os braços,
sem que abraçassem aquele abraço.
As estrelas partiram, perseguidas pelo nevoeiro.
Vem agora abraço quente,
com o teu calor,vem condensar o nevoeiro;
tenho tanto frio!...
Quis partir ao teu encontro mas tive medo.
Tive medo que aquele abraço me arrastasse,
em vagas alterosas e me projectasse
para caminhos,
que não são os meus caminhos.
Este nevoeiro confunde-me,
os meus olhos ficam frágeis,
os meus passos lentos,
os meus braços estendidos,
cansados,
tão cansados de esperar.
Quero que a madrugada me beije,
que me abrace e me inspire
para te dizer em poema o que tenho dentro,
o frio que me gela, icebergue nos meus passos.
E, assim fico,
com a caneta na mão,
tentando escrever um poema, em gestação tardia,
neste parto difícil de que resulta,... em nada.
E assim, na rede adormeço,...
na desolação de um filho por parir
ausência de poema,
vontade daquele abraço
E assim fico....
Adormecida.

Um conto de afectos

Erguida caminho
À procura de nadas
Que no fundo são tudo
E sem parar procuro.
Vasculho na vida
O sentido
E na vida tropeço
No chão que escorrega.
Avanço
Balanço
Vacilo, não tombo
E assim avanço.

A caminhar encontro
Um conto de afectos
No horizonte perdidos
Esquecidos no conto
Que ninguém contou.
Com os dedos
Desfolho
As folhas coladas
Caladas
Esquecidas
Que ninguém desfolhou.

Onde estão os afectos
Os afectos do conto!?
Os que não foram dados
Os desperdiçados
Os não recebidos
Os não merecidos.

Arranquei ao conto
A ferida dorida
E de tão dorida
Começou a sangrar;
Apertei-a com força
Para o sangue estancar.
Restaurei o conto
Retirei-lhe a brandura
Lancei-a ao mundo
Para lhe dar doçura

domingo, 15 de novembro de 2009

Sim, sei bem(...)
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.”


Fernando Pessoa

Na brisa



Achei que estarias perto.
Não preciso telefone, nem carta, nem sinal.
Tu sabes que te reconheço à distância,
na brisa que perfumas.
A flor de jasmim fechou as pétalas,
tão inodora se sentiu, quando por ela passaste.
O ramo da madressilva florida,
que tão decidida trepara o beiral,
envergonhada, deixou-se cair.
O cheiro a tomilho e framboesas que transportas,
neutraliza tudo quanto no ar exista;
bom ou mau, acredita.
É por isso que te digo, meu amor,
que tu és o bálsamo que perfuma os meus dias,
o ar que dá alento à minha vida.
Caminha!
Apressa mais o passo.
Quero rapidamente ver surgir a tua silhueta,
lá ao longe, sombra ténue,
como que desenhada pela linha imaginária
do movimento dos meus dedos,
quando ávidos te percorrem.
Os meus dedos,
tão famintos dedos!...
Vem!
Quero sentir o aroma mais intenso,
o aroma do teu corpo
a misturar-se no meu, em profundo enlace.
Caminha!
Vou partir ao teu encontro,
para que os meus braços,
mais depressa te abracem.

sábado, 14 de novembro de 2009

Te canto...


Cantavas-me...
Com a voz doce
Melodias.
Cantavas...
Mas a tua voz estava cansada
As tuas cordas gastas
E cantar já não podias.
Tentaste tocar violino
Pois sabias que gostava.
Mas há, destino!
O violino não tocava.

Caminhavas...
Por caminhos
Que eu contigo caminhava.
Caminhavas...
Com os teus sapatos rotos
Com os teus pés doridos
Persistente, tentavas.
Coseste-os com a esperança
Que um dia te sobrou.
Mas ah, má sorte!
A esperança não chegou.

Sorrias...
E sorrias
Com um sorriso triste
Como quem ri
Para não chorar.
Lágrimas deslizaram
Pelo rosto, peregrinas
E, com elas sorrias
Sorrias para mim.
Mas ah, má sina!
As lágrima secaram.

Escrevo-te...

Com esta mão cansada
Como quem chora
Te escrevo
E neste escrever pranto
Te vejo, te sinto
Te abraço
Caminho
Te canto...

Noite...



Sento-me à espera, na soleira do meu aconchego e ali me despeço do vermelho do poente, quente.
Com os meus sonhos e com a minha solidão, despeço-me da luz que me deixa aos poucos, lentamente, como que a embalar-me e a levar-me para um sonho.
Lentamente apaga-se, interruptor dos dias, faísca das noites.
Aos poucos vais surgindo e contigo vem a brisa, fresca, orvalhada, que me refresca o corpo e sensualmente me arrepia.
Depois, noite enigmática, noite mágica, trazes-me novamente a luz, a luz difusa, prateada, com que me enamoras, noite,...
...a noite dos meus delírios.
Submeto-me à tua vontade e neste não lutar, deixo-me ficar na soleira, sentada, submetida a ti, serena.
Ofereces-me a lua, sorrio e, feiticeira, a lua sorri.
Fixo os olhos, balanço o corpo dançando, dançando ao som de uma melodia que vem de dentro de mim, e danço em rodopio, balanço.
Balanço,... balanço com o vento, suspensa.
Projectas a minha sombra no chão como se fosse num espelho.
Vejo-a, admiro-a, adoro-a como a uma deusa, a sombra fugaz, argéntia, a minha sombra,... a sombra do meu voar.
Continuo suspensa, sentada na soleira, ouvindo os sons da noite, doces, ardentes, melodias ternas de entrega, quentes, sons de paz e harmonia, sons de amor, de alegria, sons de paixão e volúpia.
Depois noite, entrego-me a ti em orgasmos de letras, e com elas me desnudo, faço retratos de sentires, me entrego em orgias de palavras que me saiem da alma, me relaxam os músculos, me fazem ir além de mim, para lá dos meus horizontes, dos meus limites.
Nessa entrega, em ti permaneço, a ti pertenço , noite, desde o crepúsculo dos meus sentidos, até o ocaso das minhas pálpebras e em ti me dou em alvoradas de palavras, repletas de sentires, afectos, raivas, paixões, desilusões, sonhos, esperança.
Em ti renasço,
aterro, levito,
resisto, cedo,
incendeio, apago
morro, ressuscito,...
simplesmente em palavras.
Noite!...

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

De mais nada

Não sou dona de nada
Nem sequer dona de mim.
Não sou dona
Dos meus dedos errantes
Da minha mente peregrina
Do meu coração liberto
Da minha alma libertina.
Não sou dona dos meus passos
Que me comandam os pés.
Se me perguntares quem sou
A resposta que te dou
É que unicamente sou
O que a vida me ensinou.
Mais nada posso ser!
De mais nada quero ser
Dona.

É longe e perto

É tão longe o tempo
Que de tão longe
Eu não sei se chego.
É longe o mar
É mar revolto
Revolto, envolto
Em desassossego.

É longe o tempo
Em que foi o tempo
Que de tão longe
Nele me perdi.
É longe o prado
Onde me liberto
Florido, amado
Que eu não esqueci.

É longe o mar
O mar sereno
E sendo longe
Se faz tão perto.
Dispo-me do tempo e,
Coberta de espuma
Nas tuas vagas navego
Aqueço a pele
Sob um sol ameno.

É longe o tempo
Que de tão longe
Ele está tão perto.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

... ou o que seria

Tinhas tanta sede
e com a água aí
tão perto!
Gastaste as unhas a cavar,
feriste a ponta dos dedos,
mas a água não brotou
e nela não pudeste molhar,
os teus lábios
que de tão secos,
se gretaram, a sangrar.

Caminhavas por caminhos
que tão bem tu conhecias.
Núvens baixas te mostravam
o céu que tu bem vias,
mas nunca os dedos o tocavam.
Desdita, impotência, má sina,
destino, ou o que seria;
tu nunca chegaste ao céu
e mesmo estando o céu em ti,
nunca esse céu te cobria...

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Depois do pequeno almoço

Inês é uma mulher como tantas outras da sua geração: Livre, espírito irreverente, pés bem assentos no chão. Ás vezes não pareçe, dado o seu ar sonhador e ausente, mas tem. Os pés tão assentes no chão tanto quanto o espírito, num misto de sonho e racionalidade.
Caminhava na Avenida 5 de Outubro em Lisboa, numa manhã outonal de meados de Novembro. Vestia uma capa para se protejer da chuva que ameaçava cair, cinzento prateado, de modelo moderno que caía em ligeiro godés sobre calças pretas e a túnica de seda com motivos pretos, bejes, castanhos e roxos. À volta do pescoço, um cachecol de algodão do mesmo tom de roxo. Nos pés, meias arrendadas do mesmo tom do cachecol que os sapatos pretos decotados, de salto alto, deixavam ver. Vestida com chitas ou cetins, para ela, o sentido de estética na combinação das cores, prevalece em relação à qualidade dos materiais e dos preços.
Caminhava com um livro volumoso que aproveita para ler em todos os minutos livres, um romance com seiscentas e onze páginas, escrito por José Rodrigues dos Santos, de leitura fácil. Lê-se duma assentada, diz. Tinha lido outros em que muitas vezes tinha que voltar atrás para melhor entender a linguagem do autor e agora apeteceu-lhe ler algo mais leve e óbvio.
Caminhava com ele na mão esquerda, encostado ao peito; na mão direita, uma carteira pequena, tipo pochete. O som do pisar firme no passo apressado ouvia-se nitidamente, o que é uma característica sua e que denota o seu temperamento firme e seguro, tanto como as rochas que a viram nascer.
Sentiu-se observada.
Um homem com sentido de estética repara para a combinação das cores que uso, pensou.
Constatou que o motivo não era esse, quando ouviu um “desculpe”. Olhou para ele intrigada e parou na continuação da mesa da esplanada que ocupa parte da largura do passeio da avenida.
Teria mais ou menos a mesma idade que ela, sessenta e alguns anos, alto, bem apessoado, com uns olhos transparentes verde esmeralda, do mesmo tom da camisa que usava, impecavelmente engomada. Os olhos, um perfeito mar sereno envolto em pálpebras.
Gosta de ler, perguntou.
Sim, a avaliar pelo volume do livro que estou a ler, claro que sim, respondeu Inês. É que sabe, aconselharam-me este livro, um amigo, um amigo intelectual aconselhou-mo mas acho-o demasiado maçudo, muitos pormenores que quanto a mim não ajudam em nada à história que conta; está a faltar-me paciência.
Inês olhou para o livro que estava em cima da mesa e de relance pensou, em fracção de segundo, o tempo entre dois pestanejares:
Quê que este gajo quer de mim!!? Engatar-me e galar-me, ou foi a um vendedor de livros em segunda mão e quer impingir-me o livro mais caro!!?
Continuou em pé a olhar e, no tempo de outro pestanejo, a pensar que poderia estar a fazer figura de ursa ao pé de um engatatão de meia tijela,sobejamente conhecido como tal no café. Ainda assim, continuou, até porque só é enrolado quem quer, pensou.
Este também é muito pormenorizado disse ela.
Sim, mas esse está cheio de pormenores ligados à história; desculpe, estou a roubar-lhe o seu tempo.
Não, não faz mal, não tenho pressa, disse Inês.
Logo a seguir seguiu-se um sinal com a mão, e o convite para se sentar na cadeira em frente, para conversarem sobre livros e autores que apreciassem. Inês não aceitou, claro.
Não, obrigada; o meu tempo..., mas,...quer que lhe compre o livro?
Não, não! Ofereço-lho.
Foi nesse instante que Inês olhou para a mesa com atenção para ver o autor e o título. Não conhecia.
É espanhol, perguntou.
Não. É chileno. Foi-me aconselhado, mas não me apetece lê-lo. Também não gosto da escrita de Saramago, disse.
Eu também não, respondeu Inês. Comprei o último livro dele, Caim, mais por causa da polémica, para ter uma opinião. Lê-lo-ei logo que acabe este. Pode ser que mude de opinião.
Naqueles escassíssimos momentos chegaram à conclusão que gostavam da escrita de Lobo Antunes.
Li há muitos anos os primeiros livros da sua carreira como escritor, emprestei-os, já não sei a quem e nunca mos devolveram, referiu ela. Depois, seguiram-se outros e agora vou comprar o último, estou curiosa. Ele tem aquele ar de lunático, mas é só ar.
Ah sim, sim, concordou ele. Viu a entrevista dele com a Judite de Sousa?
Inês tinha já na sua mão esquerda os dois volumes encostados ao peito.
Quando endireitou um pouco o corpo para seguir o seu caminho, olhou com mais atenção para a mesa. Um maço de cigarros, um isqueiro em cima, uma chávena com restos de café com leite do pequeno almoço, o espaço vazio do livro e com ar despachado disse-lhe:
Obrigada pelo livro e olhe, deixe de fumar, ...eu já deixei.
Sou um tonto, um parvo! Às vezes fazemos destas coisas.
Deixe e pronto. O fumo faz-lhe mal aos seus bonitos olhos.
Quando acabou a última sílaba, já estava a dar o segundo ou o terceiro passo e não esperou pela resposta. Continuou com o seu pisar firme, como sempre.
Pode ser que um dia o encontre e lhe diga se gostou ou não do livro, se tiver coragem para ler as mil e trinta páginas do romance 2666.
Há coisas,...pensou ela, quando, já sentada no comboio de regresso a casa, acabou de ler as capas e contracapas do livro de Roberto Bolanho.
Alguma vez eu imaginei que um desconhecido me iria oferecer um livro, ainda que fosse um livro rejeitado!
Há coisas!...

domingo, 8 de novembro de 2009

Um Domingo cinzento

Acordei com o dia já cinzento, mas nem por isso fiquei triste como era o dia.
O ar húmido que apanho, quando pelo quintal deambulo antes da chegada da chuva, encaracola-me os cabelos, conferindo-lhes um ar de maior rebeldia.

Um almoço a dois. Os filhos hoje não puderam. Um almoço adequado ao dia húmido, um tanto frio, acompanhado com uma salada de azedas, das dos paredões do Douro e que já se habituaram ao clima do quintal, em Sintra; uma outra tacinha de alface e rúcula também do quintal, para que a refeição se tornasse mais leve, pela mistura biológica do verde das saladas e os olhos se sentissem mais fácilmente saciados, com a paleta de cores verdes.

Um fantástico documentário sobre Berlim, na Sic,(quem diria) obrigou-me a mudar de lugar à mesa para que a pudesse acompanhar sem que a cervical me doesse, por olhar para o écran de esguelha.
Excelente! Nos meus olhos formaram-se cortinas de gotículas, diversas vezes, pela emoção. Não é difícil, confesso, mas neste caso justificadas. Berlim destroçada pela guerra, a divisão da cidade, a construção do muro,a polícia Stasi, a separação das famílas por vinte e oito anos em apenas uma noite, finalmente a queda.
Ainda sinto o coração apertado, como aliás já tinha sentido quando visitei a cidade há três ou quaro anos e imaginei o sentir daquela gente. Aquele rectângulo quase perfeito na cidade, que passou a ser a parte ocidental, em mil novecentos e sessenta e um, com arame farpado e apertada vigilância e depois com betão sólido, uma aba saliente ao cimo e algumas partes por um canal.
Morte para quem ousasse tentar transpô-lo.
O Muro da Vergonha! Um dos muros da vergonha, infelizmente, dir-se-á.
No dia nove de Novembro de mil novecentos e oitenta e nove, passados vinte e oito anos fez-se a demolição, a alegria estampada no rosto, o reencontro; o ficar boquiaberto com as coisas ocidentais por mais corriqueiras que fossem.
Dizia-nos uma jovem nascida na parte oriental, criança na altura do derrube: "Fiquei maravilhada com o papel higiénico colorido, só o conhecia branco".

A reportagem fez-me relembrar a cidade que calcorreei durante uma semana, onde pisei várias vezes as marcas do muro no chão.
Uma cidade completa, magnífica e culturalmente imponente, nomeadamente do lado oriental.

Há por todo o lado, nas imediações do que foi o muro e das partes que deixaram intactas,divulgação completa da história, para que a história não se repita...
Assim o desejo.

A seguir à reportagem, a chuva. O convite para ficar em casa.
Não, não vou desta vez obedecer à chuva, mesmo que o som das goteiras seja reconfortante...
Tenho que sair, caso contrário, arriscar-me-ei a ficar melancólica...

sábado, 7 de novembro de 2009

...Faz de mim árvore de Outono
que lentamente perde as vestes.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

E,... prossigo


Viajo em cima das palavras
a descansar do tempo que me pesa.
Deambulo por sinuosas veredas
para me encontrar com o que fui,
embrenho-me em florestas densas,
em bosques perfumados,
a mendigar frescura para os meus passos.
Viajo sonâmbula,
por entre giestas e espinheiros
que me tolhem os movimentos,
me confundem o destino,
me estonteiam com o odor forte,
me cravam espinhos na carne
que me dilaceram a alma.
Quero encontrar uma fonte com água fresca
que me mate a secura dos meus sonhos,
que me hidrate a pele franzida.
Quero sair desta secura imensa
que me esgota o rio das palavras brancas
e me impele para becos sem saída.
Viajo em palavras e assim me reeencontro
e me embalo em ondas leves
de mares serenos.
O que fui,
que interessa!!?
O que serei,
quem sabe!!?
Desço das palavras
e, revigorada,
escalo torres de marfim,
lanço um olhar sobre o mundo hostil,
espreito as artérias do rio
onde o meu sangue pulsa, doce...
e,... prossigo.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Caíste num poema




Caíste num poema
e foi lá que te achei.
Com hipérbole o enfeitaste
e disseste que gostaste,
mas eu não acreditei.

Saltitaste em vogais e consoantes.
Descobriste as palavras,
entre metáforas escondidas.
Paraste um pouco nas vírgulas,
hesitaste no ponto e vírgula,
partiste no ponto final.
Declamaste-o
e não te saíste mal.

Leste partes com calor,
outras percorreram-te a espinha.
Outras causaram-te dor,
num céu de neblina.

Caíste no poema
mas não o levaste contigo.
As metáforas extravasaram
do rio onde nasceram.
As vogais e consoantes
choraram de tristeza,
solitárias, sem abrigo.

O poeta partiu.
O poeta é errante.
É o seu destino
e vai.
Vai para outro poema,
a sonhar com outro tema.

O poema ficou.
Sozinho chorou.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Tudo ao contrário


Não!
Que engano!
Porque te peço para sorrir e contemplar uma flor,
se há tantas crianças sem amor.
Porque te peço para olhares o veleiro a balançar no mar,
se há tanta gente sem cais.
Por que te digo para fixares a lua, a Via Látea,
se há tanta gente sem luz em suas vidas,
cegos de esperança.
Vai lua!
Vai alumiar quem deves,
lua selectiva, sempre a olhar quem te contempla,
quem de ti quer inspiração para escrever sonhos.
Vai lua e alumia
e aclara os sonhos medonhos.
E tu estrela do céu!
Porquê que o teu cintilar não penetra
nas mentes obscuras daqueles
que maltratam, que violam,
dos governantes tiranos,
em vez de inspirares poetas.
Ó céus, até o céu anda às avessas!...
Ó mundo, o mundo gira ao contrário!...
Ó homens, distribuam bem o pão,
a fome, a miséria, a desdita,
para que a sina bendita,
não seja sempre dos mesmos!...
Homem,... abre o coração!

Acordo, ressuscito!


Sou flor hipnotizada e,
Por momentos morro.
Ressuscito
E vejo o beija flor a sorver-me o néctar,
O nectar todo.
Ressuscito do torpor com violéncia.
Dos meus olhos jorram rios
Dos meus poros enxurradas
No meu peito pulsa o mar.
Ondas gigantes percorrem-me
Em vai-vem
Nun arredar para ganhar balanço.
O meu sangue recua
E ao contrário das ondas,
Recua sem avanço.
Estremeço
Empalideço
Descanço...
Acordo do pesadelo
Ressuscito
Troco a almofada
Molhada
Limpo os poros
Seco os rios
Esqueço...
E sigo.


segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Porquê


Porquê que não te achei amor
Há muitos dias
E os meus pés
Não trilharam os teus passos.
Porquê que não te achei amor
No volátil das artérias
E os meus braços
Não encontraram
Os teus abraços.
Porquê que não te achei amor
No cimo da montanha
Trepada a sete fôlegos
Quando os rios eram lava
A escorrer em vales fundos.
Porquê que não te acho
Em cada esquina
Em cada madrugada
Em cada sombra
Em cada sol
Em cada estrela
Em cada rua
Em cada viela
Em cada fio de água morna
A percorrer-me as veias
A encher-me a alma.
Acho-te no cansaço
Dos dias escassos
Das noites despertas
Dos rios mansos.

Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.

Pablo Neruda
É assim que te quero, amor,
assim, amor, é que eu gosto de ti,
tal como te vestes
e como arranjas
os cabelos e como
a tua boca sorri,
ágil como a água
da fonte sobre as pedras puras,
é assim que te quero, amada,
Ao pão não peço que me ensine,
mas antes que não me falte
em cada dia que passa.
Da luz nada sei, nem donde
vem nem para onde vai,
apenas quero que a luz alumie,
e também não peço à noite explicações,
espero-a e envolve-me,
e assim tu pão e luz
e sombra és.
Chegastes à minha vida
com o que trazias,
feita
de luz e pão e sombra, eu te esperava,
e é assim que preciso de ti,
assim que te amo,
e os que amanhã quiserem ouvir
o que não lhes direi, que o leiam aqui
e retrocedam hoje porque é cedo
para tais argumentos.
Amanhã dar-lhes-emos apenas
uma folha da árvore do nosso amor, uma folha
que há-de cair sobre a terra
como se a tivessem produzido os nosso lábios,
como um beijo caído
das nossas alturas invencíveis
para mostrar o fogo e a ternura
de um amor verdadeiro.


Pablo Neruda

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