Acerca de mim

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Sintra/Miranda do Douro, Portugal
Gosto de pintar,de escrever e de fazer trabalhos manuais.Sou simples e verdadeira. Tenho que pôr paixão naquilo que faço, caso contrário fico com tédio. Ensinar, foi para mim uma paixão; escrever e pintar, continua a sê-lo. Sou sensível e sofro com as injustiças do Mundo. A minha primeira língua foi o Mirandês. Escrevo nessa língua no blog da minha aldeia Especiosa em, http://especiosameuamor.blogspot.com em Cachoneira de Letras de la Speciosa e no Froles mirandesas.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

DESEJO UM BOM ANO A TODOS

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Pétalas

Floriu-me a rosa no peito
Floriu-me a rosa na mão
Caiu-me a rosa sem jeito
Pétalas espalhados no chão

Tirei os espinhos à rosa
Para ela não picar
Tirei o relógio ao tempo
Para o tempo não escapar

O relógio foi seguindo
E o tempo em seu andar
E a rosa desfolhada
Continuou a cheirar

E eu abracei o tempo
As pétalas, uma a uma apanhei
O tempo deu-me conselhos
Com as petalas eu medrei

Floriu-me a rosa na alma
E lancei um cravo ao vento
Cresceu-me a força no peito
Mais forte que é o tempo

E com essa força a medrar
Eu não me dou por vencida
E vendo a rosa a brotar
Eu corto os espinhos à vida

sábado, 25 de dezembro de 2010

Como me doi!!!

Sinto um cansaço terrível que me tolhe os passos.
Tenho os músculos com espasmos que me contraem os tendões.
Quero caminhar, mas esta inércia de vagalume gelado prende-me, os pés estão frios, a boca dormente, a língua presa.
Quero chamar-te mas tu não olhas para trás, não ouves. É que da minha boca sai uma brisa leve, tão leve, tão gasta e o som das minhas palavras que fica retido no meu peito, não chega a ti.
Quero lançar as palavras numa folha branca para ta mandar pelo vento, mas a tinta não adere, esguicha e mancha-me o vestido, mancha-me o corpo.
Quero compor uma melodia com o som das palavras que não saem, mas a pauta ficou desfeita num vendaval e as teclas do piano estão partidas.
Como me dói esta impotência, como me dói o tempo!
O tempo, sempre o tempo!...
O tempo que não tenho, o tempo que me mata, o tempo que há-de vir, sempre o tempo.
Tenho uma nuvem de poeira branca depositada pelo tempo, em cima dos ombros, no xaile negro. Soprei a poeira para com ela te mandar, em neblina, o aroma do meu corpo. A poeira petrificou e não fez neblina e eu tenho os ombros doridos, cansados.
Onde estás, condor de asas fortes para me levares para longe?
Onde estás tu, águia de bico forte, para me partires os pedragulhos que me imobilizam o corpo?
O condor não veio, a águia também não.
Luz difusa inundou-me o quarto e acordei do pesadelo.
Abri a janela, o veda luz e saudei o sol radioso que prometia um dia quente.
Saudei a vida, saudei o tempo, cantei!

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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Bebo em ti, palavra

Se vires que deixei de escrever vem ao meu encontro e alisa-me as rugosidades dos dedos, raspa a tortura que me assola a alma, sacia a fome que me nasce no corpo e me come gulosamente as palavras.

Se vires que deixei de escrever vem tirar para trás os lençóis que se me enrolaram ao corpo, múmia inerte que mexer não posso.

Se vires que deixei de escrever, retira o dique que me travou o rio que me corre nas veias, me queima os músculos, me rebenta a lava da paixão contida das palavras.

Escrevo com a força do inocente que se quer libertar das correntes que o sufocam.

Escrevo com a fúria do leão enjaulado por lhe terem tirado o sabor doce da savana e a frescura da floresta.

Escrevo com a candura do flamingo, em bandos, levantando voo do lago.

Escrevo com a sede de perdido no deserto, em miragens de oásis frescos.

Se vires que deixei de escreverr, não te molestes. Vai seguindo sempre as marcas dos meus pés varrendo o pó do chão, perdidos de cansaço. A seguir eu escreverei, como quem come e continua faminto, quem bebe e permanece sedento, quem se liberta e aprisiona, se emancipa e se prende, se encanta e desilude.

Escrevo, porque bebo de ti, palavra,...a minha sã loucura!
Tanto correu o rio das palavras sem que eu soubesse em que rocha, em que monte, brotava a nascente desse rio!...Tantos dias, tantos anos!

Tumultuoso, largou as rédeas, saiu das margens, correu desaustinado, formando aluviões onde cresciam poemas.

Abriram-se janelas na virtualidade dos tempos e o rio perdeu o norte, correu em ziguezagues, pulou montanhas, mudou o sentido da corrente, perdeu o rumo.

Houve um ponto em que lhe fiz sinal para parar como se dum autocarro de província se tratasse para nele estrar ou tão só para lhe fazer um cumprimento, um aperto de mão, um beijo. Não sei, já nem sei o que foi. Só sei que a partir desse encontro se me mostra em deliciosas palavras e segue com a serenidade do rio de planície, lançando frescura até a foz, rio sem pressas procurando enfim un oceano balanceante e sonhador.

Vão-lhe saindo as palavras arrastadas na corrente, carregadas umas vezes de espuma branca de algodão na leveza de um soriso, outras, de detritos arrancados à força às entranhas dum leito triste...

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

No dia que era noite...

No dia em que te mostar a minha alma por dentro e te disser que tenho frio, abraça-me porque o frio tolhe-me,engole-me as palavras, congela-me vogais e consoantes e em vez de poemas faz crescer glaciares.

No dia em que te mirar com os olhos tristes, afaga-me o rosto, canta-me melodias ao ouvido com as tuas doces e sábias palavras, bem junto ao ouvido para que nenhum som se evada.
Depois, olha-te no espelho que os rios tristes dos meus olhos formam. Vê-te nele, e, nele verás o motivo da minha tristeza.

No dia em que me vires junto ao despenhadeiro na iminência de saltar no vazio dos sentimentos gastos, segura-me... Não me deixes tombar no túmulo dos meus dias sem sol, das minhas noites sem estrelas.

No dia em que me vires sem ter dentro de mim as andorinhas a esvoaçar, viajantes de outro trópico, mensageiras das flores, deita sobre mim um cântaro de água da fonte para que a minha pele esverdeça e nela me nasçam novamente lírios...

No dia que era noite...
Na Primavera que era Outono...

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Lançamento do livro, Antre Monas i Sbolácios, na Escola Secundária de Gama Barros- Cacém
















Foi uma festa fantástica, a do lançamento do meu livro na escola onde ensinei durante vinte e sete anos, dedicando a uma causa os melhores anos da minha vida.
Foi acima de tudo uma festa de amizade e de afectos, porque a Gama Barros sempre foi uma escola onde as carreiras profissionais não colidiam com o respeito e amizade entre as pessoas.

Valeu a pena ter aos poucos envelhecido em tão digno lugar.
Obrigada a todos: Aos presentes e aos que por uma razão ou outra não puderam estar.

Lançamento do meu livro em Mirandês

O dr. Marco Almeida, Vereador da Câmara de Sintra escreveu:

Acredite que eu é que me sinto recompensado por ter tido de oportunidade de convosco ter estado.
Fiz questão de dar conta disso no meu blogue:
http://viver-sintra.blogspot.com/2010/12/poesia-em-mirandes.html
Cumprimentos.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O barco é corcel, o barco é meu leito

O tempo é corcel
troteando a vida
em sinuosos caminhos.

Há um rombo do tempo
no barco a sangrar
e há a gaivota perdida
sem mastro a chorar.

Chora alvoradas
em que os cios das águas
despertavam marés
e sente-lhe as mágoas
a rebentar o convés.

O barco é corcel
o barco é meu leito.

E o tempo tão célere
foge-me dos horizontes
em inúteis esperas
de melhores marés
no corcel do meu peito.

O barco a afundar...
E a gaivota esvoaça
no cimo do mastro
doutro barco a passar.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Sei dos esboços...

Não sei que caminho tomar para seguir-te, não sei a que vento, não sei a que calmaria, a que tempestade ou bonança encomende os meus passos.
Vivo na intemporalidade dos sonhos, na permissão dos dias, na anuência dos esboços que se me semeiam no percurso que se me vai traçando.
Não quero o ontem, vivo o hoje e, com esse viver eu traço os caminhos de amanhã em desenhos subtis que se me gravam no peito, me trespassam a alma.
Quem sabe se o futuro terá tinta na paleta!...
Há-de ter! Diz-mo o esquiço que vou fazendo na alma e que me pede mais pinceladas desse tempo que há-de ser tempo de temperança.
Não sei que caminhos tomar para chegar, abraçando tempos de solidões marcadas em traços ténues para que se vão apagando nos dias, nas noites, nos crepúsculos, nos amanheceres.
Sei dos esboços, sei do hoje em luta por um amanhã.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Chega-me...


Há um frio cortante no ar que me chega ao Planalto, vindo da Serra de Sanábria já branca, tonalidades do tempo de Natal.
Há um calor imenso que me chega da paisagem lindíssima que através dos vidros vislumbro, tons vermelhos, ocres e castanhos, paleta que tantas vezes elejo na minha pintura.
Olho para as telas dependuradas nas paredes, de tons quentes, para logo a seguir os meus olhos se espraiarem pelas matas de carvalhos com pequenas nuances verdes aqui mais próximas e, abstraindo-me dos caixilhos da porta e semicerrando as pálpebras, vejo um quadro que bem poderia ter sido eu a pintá-lo.
Chega-me o aroma a marmelo, o cheiro adocicado da marmelada feita ao pé do lume ao serão, uma mais doce, outra intermédia em doçura e para mim com pouquíssimo açúcar, já que gosto dela a saber ao marmelo.
Chega-me o som do crepitar da lenha a fazer-me companhia e a conversar comigo, neste silêncio em que gosto de permanecer depois de todos se deitarem.
Chega-me o aroma do licor de poejo, de hortelã da ribeira, verdes como o mar e de sabores com a frescura campestre e o doce amargo do de cereja silvestre, dum vermelho escuro lindíssimo. Hoje à noite outro aroma se lhes juntará, o de folha de figueira, ainda a macerar na despensa.
Chega-me o som dos sinos a indicar-me a hora marcada de deixar as correrias de infância, o recolher a casa, a comichão que as camisolas e meias de lã de ovelha que a minha mãe tricotava me causavam, mas que tinha que vestir porque eram quentes.
Chega-me a saudade antes de me ir...
Chega-me...

sábado, 6 de novembro de 2010

Vai!

Há um aperto que o teu olhar denuncia que não te deixa ver com nitidez o oceano onde por hábito te soltas.
Há uma lágrima a fazer dique no rio do teu sorriso.
Há um aperto na tua alma que não te deixa sonhar.
Deixa que a lágrima deslize no meu ombro, depois destila-a e com ela rega a flor que te está a murchar no regaço. Olha-a e observa os estames que de repente se carregaram de pólen. Nada é mais belo que uma flor no regaço de mulher.
Solta-te!
Solta-te, como se fosses um papagaio nas mãos duma criança que, inadvertidamente, o deixou escapar num dia de ventania.
Vai!

Queres ser papoila

Já foste papoila
Moçoila
De trigais
De caminhos
E carreiros
Dianteiros

Já foste papoila
Moça
De vermelho
Excitante
Estonteante
Aroma.

Queres ser papoila
Madura
Cor esvanecida
Vivida
Vida
Ternura.

domingo, 31 de outubro de 2010

Carl Orff: Carmina Burana

Tchaikovsky Suite do Bailado 'O Lago dos Cisnes' 1 e 2

Não sei

Não sei
se o que avanço é com os passos
que as minhas pernas autorizam
ou se, pelo contrário,
elas entraram em colapso
e caminho
com a inércia dos passos caminhados.

Esmago
a fúria contra os rochedos
dum oceano revolto,
aperto o peito,
sustenho o respirar
para que nos olhos
não cresça a raiva,
em vez de lágrimas.

Suspeito
que o mundo onde me largaste
não é o meu mundo,
o campo onde me movimento
não é o meu espaço.

Ó céus,
para quê tantas estrelas cadentes,
tantos meteoritos a incendiar a terra
e a cavar fossos
cada vez mais profundos
entre as gentes?!

Ó terra,
vendida por mercadores,
hipotecada ao futuro,
sem garantias,
com promessas de Éden,
não deixes!!

Não sei se quero avançar
neste estádio acabado,
ou antes regredir,
voltar a larva
e assim ficar.

Não sei
se caminho
para este futuro incerto
ou se paro,
semente perdida
num deserto!...

Almas gemeas

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Paleta

Às vezes
Há uma paleta a que faltam pigmentos
Cores que talvez não identifique
Não procure, ou
Procurando não encontre
Mas avanço

Há vazios
Que permanecem incolores
Onde a tinta não agarra
As palavras não dançam
A música não vibra
Tudo pára
Nada alcanço

Depois
Completo a paleta
A tela enche-se
As fontes brotam palavras
Os sons produzem melodia
E eu
Danço, danço

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Talvez um dia

Talvez um dia eu vá
como se estivesse perto,
aonde em sonhos mitigo
as sedes de longo deserto.

Talvez um dia eu encontre
o que deixei soluçando.
Talvez depois eu te conte
o que solucei deixando.

Talvez um dia eu abrace
o que ao longe eu abracei,
envolvendo-me em teus cabelos,
nas tuas águas nadei.

Talves um dia eu vá
comer da terra vermelha
como chama de alimento
para esta paixão acesa.

Talvez um dia eu entre
nos teus frondosos mangais
talvez eu escreva poemas
em papiros dos pantanais.

Este talvez é certeza
que no peito me pulsa firme
pois nunca será incerto
um querer assaz sublime.

sábado, 16 de outubro de 2010

Aconchega-me

Aconchega-me, neste Outono morno, para que o meu corpo retenha o calor que me há-de desfazer o gelo que se me agarra no Inverno.

Ampara-me o corpo para que não caia e ajuda-me, no meio destes ruídos, a destrinçar o canto do rouxinol que pousa nesta árvore cujos ramos entram pela janela da sala que me serve de refúgio aos meus dias pardacentos.
Estou cansada dos sons que me chegam do écran para onde já não ouso olhar porque só injustiça lá assoma.
Tenho estado calada, demasiado calada, pois eu sei que a este meu longo silêncio se seguirá uma tempestade de palavras com que te contarei a imensa raiva que me vai na alma por tudo aquilo a que assisto atónita, boquiaberta, impotente.

Aconchega-me, neste dia soalheiro, para que eu retenha o sol que me alumie os dias em que a alma está envolta em denso nevoeiro.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Há palavras

Ha palavras que são gelo
outras sol em glaciar
Há palavras que fazem rir
Outras que fazem chorar.

Há palavras que ficam
presas na sílaba mais profunda
e há palavras que saem
livres
sempre a saltar.

Há palavras
que são lanças
duma guerra que não querem
Há palavras que são gritos
cansadas de seu penar.

Ah,
mas há palavras que são olhos,
mãos, pele,
deleite
e doce mel
duma nascente a brotar...

sábado, 9 de outubro de 2010

Calaram-se as guitarras...

Segurámos o prato na mão, sentámo-nos no muro e degustámos o prato frio de salada variada com pequenos pedaços do peito de galinha caseira. O tempero era apenas azeite, vinagre e ervas aromáticas, colhidas no canteiro próximo da cozinha. Fomos seguindo a bola vermelha que aos poucos se ia escondendo atrás dos montes, deixando um clarão vermelho no céu que lentamente se foi dissipando, até que noite caiu.

Depois, pegámos nas guitarras e sentámo-nos sobre o banco de pedra, virado a nascente, onde uns minutos mais tarde a lua surgiu redonda, enorme e resplandecente, justamente la linha do horizonte traçada pelo monte sobranceiro.
Fomos tocando. Eu apenas deixava cair a mão nas cordas porque mais nada sei fazer, de modo a acompanhar o ritmo da canção.

De repente surgiram os sons da noite: a rãs incansáveis, os grilos às centenas aqui e acolá, com aquele cantar ininterrupto, uns muito perto, outros mais longe e, ainda mais longe, o mocho piava num ritmo certo. Os nossos dedos paralizaram e as nossas guitarras calaram-se sentindo-se impotentes, inúteis...
Os sons da noite calaram as guitarras!...
Encostámo-las a uma rocha que estava junto ao muro e ficámos em silêncio, sem darmos conta do tempo que passou. Quando por fim olhámos para a rocha já não as conseguimos distinguir, tornaram-se transparentes, quase invisíveis...

Não há orquestras que superem os sons da noite, quanto mais, simples guitarras!
Lá permaneceram na sua silhueta quase invisível até ao romper da aurora.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

dos teus olhos...

Uma vida vazia. Vinte e cinco anos de uma vida cheia de nada! Acordei de madrugada e escrevi num papel que estava na cabeceira a palavra MOTE. No dia que entraste no meu quarto para leres o romance que tinha escrito para preencher o vazio perguntaste-me o que significava. Nem mesmo passados que foram vinte e cinco anos fui capaz de to dizer.
Há vinte e cinco anos os nossos lábios estiveram quase colados quando nos mirámos a uma distância ínfima; ambos quisemos, ambos desejámos ardentemente, mas afastei-me e disse-te apenas adeus, ao mesmo tempo em que me virava para entrar na gare de onde o comboio partiria dali a escassos segundos.
Tu correste atrás ainda a tempo de encostarmos as mãos no vidro, e, pude ver as tuas lágrimas, à medida que corrias.
Vivi um casamento que não sobreviveu à recordação dessas lágrimas.
Tu, com dois filhos que adoras, vives uma relação do faz de conta. Não precisas de mo dizer, vejo nos teus olhos, uma relação sem temperos. Vinte e cinco anos vazios!
Peguei no papel e finalmente escrevi a letra que faltava e fui ao teu encontro.
AMOTE: Finalmente fui capaz de to dizer...
Finalmente, o beijo desejado!...

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Já nem sei

 
Posted by Picasa



Tanto tempo se passou, tantas canseiras, tantas ponderações, tantas asneiras, tantos desgostos, tantas alegrias, tantas marcas, tantas montanhas galgadas, tantas quedas nos vales profundos desenhadas em vincos do rosto.
AH! Primavera, quem me dera ter-te de volta para me empurrares o Outono pardacento...
Qual serenidade do Outono, qual maturidade no agir!
Falta-me a força, a paixão está a secar, a pele retesa-se, o corpo encarquilha-se, a alma desalenta-se, os passos perdem-se, o vento sibila a anunciar o Inverno...

domingo, 26 de setembro de 2010

...o espelho das tuas vaidades

Vives do charme somado no teu sorriso, fruto de markting, preciso, certeiro, tão certeiro como golpe de bisturi num corpo anestesiado.
O mundo a teus pés!!! Julgas tu, no auge da imbecilidade de que te vestes.
Fazes do horizonte o espelho das tuas vaidades sem te lembrares quão frágil é a linha que separa o céu da terra.
No auge da tua quimera, uma trovoada cairá sobre a terra, o horizonte será engolido por uma nuvem negra e, a alta temperatura dos raios fundirá o vidro do espelho...
Mostrar-se-á o monstro com o sorriso amarelo de Adamastor...

Vazia

Tenho a mão vazia
Aberta
Como pedinte
Sem esmola.
Prostrada
Inerte
Dos gestos
De despedida

Doem-me os dedos
De tão cansados
Dói-me a alma
De tão aberta
Dói-me a mão
De tão vazia...

domingo, 19 de setembro de 2010

Hei-de...

Chegas-me Outono
a saber a Setembro,
a despedir-me
dos estios grávidos de luz,
que me bronzeiam a pele desnuda.

Chegas-me Outono
em coisas perdidas,
na incerteza dos dias,
incerta a vida,
incerto o Inverno...

Sorvo-te Outono,
sôfrega,
enquanto o meu corpo é dia,
noite o meu sonho,
enquanto no meu regaço
couberem as folhas
que se me desprendem do manto.

Hei-de deleitar-me
com as aves últimas,
sobreviventes à queda da folha,
molhadas pelas primeiras chuvas
e resistindo aos crepúsculos.

Hei-de aconchegar-me ao Inverno,
sentindo as cores do Outono...

sábado, 18 de setembro de 2010

Sien tropicones,...siempre!

Ontem comemorou-se o dia da língua mirandesa. Em homenagem à minha primeira língua deixo aqui este texto.



Calhórun-se ls paixaros, las águilas de las arribas parórun sou bolo ne l alto de l cielo, l´auga de l riu parou de correr, las árboles cerrórun sues fronças, ls grilhos i ls ranacalhos çquecírun sous cantos, l sol scundiu-se atrás de nubres, la lhuna deitou-se cedo, las streilhas cerrórun ls uolhos ne cielo húmado...

Todo parou para que se acendíssen belas i se cumemorásse l die an que ua lhéngua zorra fui aporfelhada por sou pai.
Naquel die, eimocionou-se cun l pormeiro abraço...

Tamien onte l caírun lhágrimas cara abaixo cun ls poemas que l dedicórun, las cantigas que l cantórun, cun las risas, cun ls sonidos que yá eran de la sue giente, cun ls recoincimientos feitos a quien por eilha perdiu nuites i dies i anhos...

Eimocionou-se quando un fidalgo que nunca l´habie falado, la arremedou an sou çcurso…
I que bien la arremedou, i que afouto fui an sou ampeço de fala al pie de tanta giente que siempre la falou i agora la scribe...
I falou de ti, siempre de ti i de todos ls porjetos que naçírun para que tu medres…

Calhou-se l Praino, les reloijos parórun naquel ouditório, calhou-se la nuite para oubir la música que saliu de tues antranhas atrabeç la çanfona, la rabeca, la gaita de foles, la fraita, l bombo, l rialeijo, la caixa.
Cantórun ls moços i,... ancantórun.
Cantórun ls ninos cun l feturo, afinados.

Apuis, acendimos-te mais uns fachucos para que camines sien tropicones,… siempre!...

terça-feira, 14 de setembro de 2010

DÓCIL NAUFRÁGIO (Poema de Stérea)

Salga-me a carne o mar que navego,
Caustica-me a alma o vento à deriva
E gaivotas gementes mergulham-me os olhos,
Perdidos na linha onde pesco horizontes...

E as vagas embalam-me,
E o barco é meu berço,
Entrego-me, esqueço...

Salpicam-me os olhos gotas de tormenta,
Fustiga-me a esperança a vela rasgada,
E os risos disformes das nuvens em ânsia
Agitam o ventre do silêncio incontido...

E as vagas embalam-me,
E o barco é meu berço,
Entrego-me, esqueço..

Cerra-me o círculo uma praia sem terra,
Atinge-me o golpe do naufrágio que mina
As areias dóceis do meu abandono,
E as gaivotas pousam, em preces aladas..

Aladas de branco,
Aladas de paz,
Que a espuma, de raiva, desfaz...

E as vagas embalam-me,
E o barco é meu berço,
Entrego-me, esqueço...


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A planta da amizade

Visitei-te envolta em saudade
A ti amiga de longas batalhas
Que construíram a amizade
Em alicerces de fortes muralhas.
Hoje
Ao separa-nos
Prometemos não estar
Tanto tempo sem nos ver
Para que mais vezes
Os nossos olhos reguem
A planta da amizade...
Cumpramos a promessa,
A pretexto dum café
E um copo d´água talvez
Bebidos sem pressa...

.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Na insustentabilidade…

Poderia dizer-vos quem fui, quem quero ser, mas nesta hora, neste momento em que escrevo, existe o agora e agora nada mais sou que as letras que aqui deixo, neste canto de casa, nesta esquina de folha branca transformada num écran frio e incapaz de vos fazer chegar o meu perfume, de vos mostrar as lágrimas nas manchas marcadas pela tinta esborratada no papel, de vos fazer sentir a macieza do papel de seda, de vos fazer chegar o som das folhas a passar entre os dedos, uma atrás da outra, com as letras voltadas para a mão esquerda porque só assim ficarão organizadas para meter no envelope.
Aqui, neste grão de areia onda me sento, sou o que ficou do poema que o poeta me dedicou. Li-o e reli-o, virei-o e virei-me do avesso e a ele de pernas para o ar, para ver se lhe interpretava todas as metáforas. Parei na última... e não consegui!...
Com as mãos a tremer deixei cair o poema ao rio, lá em baixo, na parte em que as escarpas são intransponíveis. Lá se foi o poema com a metáfora virgem onde a minha alma não foi capaz de entrar.
Fugiu-me com o que resta de mim, metido numa metáfora que a água do rio esborratou e que jaz algures no fundo do mar, envolto em algas verdes, embalado por cada balancear das ondulações até que um dia saia, agarrado a um remo de um pescador.
Hei-de deter-me na insustentabilidade da derradeira metáfora, sentada numa sílaba do poema!

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Quem sabe!!!

“Aceno com a mão frágil do meu destino. Aceno ao embaixador para os refugiados, um homem que há-de fazer com que eu dia seja médico. Hei-de ser, juro que hei-de ser...
É um homem bom, só pode ser um homem bom, aquele que vem a este fim do mundo, mundo de guerra, de violações, de sangue. Assim ele pudesse levar-me daqui... Eu sei que não verei a minha mãe, o meu pai, os meus irmãos, não, não verei ninguém. As balas trespassaram os seus corpos famintos, eu vi, e eu fingi que não via, para que também eu parecesse morto e uma bala bão me entrasse no corpo.
Depois trouxeram-me para este campo onde a violência espreita em cada esquina, nesta escuridão da noite interminável, porque a noite aqui se prolonga pelo dia, noite escura de violações feita, de sangue tecida.
Hei-se ser médico, eu sei. Agora que a luz me chega ao meu canto durante umas horas sempre que eu pique o ponto na escola, já posso estudar todos os dias até altas horas.
Hei-de ser médico! Agora que a luz eléctrica me entra pela noite eu juro que serei…”

Poderá ser isto o sentimento daquele menino do Sudão, um menino desta realidade macabra, onde Darfur é mais um lugar do mundo onde há milhares de órfãos com sonhos, eu diria, na sua maioria utopias, milhares sem eles sequer, onde nem há certezas quanto à sua sobrevivência.
Todos os dias cresce o número de meninos a precisar de um médico e dum bocadinho de amor e dignidade...
Que se cumpra o sonho!
Tocou-me este menino com toda aquela capacidade de sonhar, apesar de viver em condições hostis, fugido duma guerra fraticida e vivendo noutra não menos guerra...

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O verde orvalhado



Rumo ao mar no verde dos teus olhos
e lá me detenho sem dar conta
de que o mundo freneticamente corre.
Lá vejo ondas que me massajam os sentidos,
apanho búzios para os pôr nos ouvidos
quando longe eu te quero,
encostando ao rosto as carícias bejes de madrepérola.
À vezes pressinto nos teus olhos cardumes tristes,
perdidos no labirintos das algas,
a fugir da luz
para se esconderem nas profundezas dos corais.
E lá ficam,
a mirrar de fome e sede,
nesse mar de flor de sal,
reluzente como mica.
Depois,
olhas-me com a leveza das flores,
com a profundidade dos veios das montanhas,
e brotas na nascente
a tremer de pressa...
O verde dos teus olhos é de erva orvalhada
no lameiro dos meus desejos...

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Isto doi!!!

Preciso que os passos que caminho superem aqueles em que fico estática.
O meu espírito agita-se, trabalha constantemente, cria, cria tanto! Ah, se estas mãos inertes e este corpo cansado pelo cair da folha me acompanhassem o espírito, então a minha casa seria um museu de arte contemporânea e um celeiro atafulhado de letras.
Porque será que as pessoas se enganam tanto quando dizem da sorte dos outros quando vêm o fruto da sua criação??!!
“Que sortuda que tu és que passas o tempo a fazer aquilo que gostas!!!”
Se soubesses meu amigo o quanto custa parir este monstro que ando a gerar em imaginação, dias sem conta!
Se esta mente que me cansa de tanto se agitar desse ordens aos braços e às mãos para que se agitassem e se desfizessem em ritmos esquizofrénicos de pincéis e tintas, numa explosão de cor e poesia, então eu não teria casa ou rua ou bairro, onde coubessem as minhas suadas loucuras.
Espasmos, ameaças de aborto, desejo de suspender a gravidez, vontade de ter gémeos, desejo ardente de fecundar arte num antro de pecado,… tudo isto já sentiu quem alguma vez ousou criar.

Mas a dilatação é tão dolorosa!...

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Partida

Sento-me no chão para te sentir mais perto
Descalça te caminho, com o passo certo
De nevoeiros me visto, de vestes despida
Sinto-te por drento, choro-te na despedida

Estendo os meus braços num abraço infindo
E assim fico, pensando estar contigo
Ah, se tu soubesses quanto me doi o peito
Ao partir agora, sempre deste jeito

Mas hei-de voltar, prometo-te e juro
Para ancorar em porto seguro
Dedos cruzados beijo, selando a promessa
Para que me esperes, me abraces sem pressa.

Ó terra querida se me quisesses tanto
Quanto eu te quero,e que te deixo em pranto
Prendias-me a uma laçada, na argola da vida
Não me deixavas ir e davas-me guarida

domingo, 29 de agosto de 2010

Lágrimas ocultas(Florbela Espanca)

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era q’rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

O apêndice, no corpo sábio de mulher madura

Há uma música que se me entranha no corpo e me invade esta sala com ondas de sublimação, penetra no ar, invade-me a alma, pinta de luz o tecto a combinar com o céu estrelado, ofusca a lua que já inveja a luz que daqui sai em feixes intensos. Tudo é mágico nesta madrugada e, de tanto sentir a magia, apetece-me partilhá-la com amigos noctívagos. Olho para o telefone mas depois hesito. Não, já é tarde, não ligo. E vou bebendo esta madrugada acompanhada de um whisky e de Tchaikovsky.
Tchaikovsky produz maravilhas na minha alma, o whisky apenas serve de companhia no silêncio. Quase nada, rigorosamente nada, em boa verdade. O que é uma bebida que dou ao corpo se a música clássica é antes uma bebida que estou a dar à alma, neste ermo onde até posso abrir as janelas sem que ninguém acorde, que mais não seja para fazer inveja ao céu, porque isto é mais que céu, é céu com todas as estrelas, a lua, o caminho de santiago e o sol que daqui a escassas horas despontará neste horizonte, na linha dos montes da minha infância.
Que é uma bebida e um céu estrelado, comparado com esta música que me leva para o Olimpo doutros deuses, de tantos deuses...
Que é uma lua comparada com a sinfonia que me chega a mim sozinha, só eu e a madrugada, cujos sons me fazem ganhar asas, levitar e depois poisar em núvens de algodão, lençol bordado a seda sobre cetim branco.
Agora tocam com vigor os instrumentos para logo a seguir ganharem a suavidade dos fios nos casulos espalhados pela amoreira. Depois flui como flui um rio de planície no Outono da vida.
Tudo é belo nesta madrugada que me aconchega no casulo de um pirilampo e aí eu sou luz à beira do caminho a indicar os passos aos caminhantes, na solidão das suas vidas.
Tudo é silêncio na minha alma para sorver estes sons que me chegam aqui ao lado, simples colunas e me transportam para salões com excelentes acústicas onde o som me chegue genuíno e não com os ruídos de um simples equipamento descartável de vídeo.

Ah! Mas eu sou capaz de ir longe, até ao São Carlos, a Berlim, a Londres e sou capaz de ir aos campos da minha aldeia, para ouvir os passarinhos sob a orientação do maestro rouxinol, em sessões ininterruptas.
Há no copo metade do Whisky e nem sei se o irei beber até ao fim. O que é o whisky comparado com outro CD que vou por no pequeno prato?!
Nada! Apenas o inútil apêndice, no corpo sábio de mulher madura!...

sábado, 28 de agosto de 2010

Mesmo que seja Inverno

Ó Maio florido
Que me vais trazendo
Ano após ano
As cores do Outono
Veste-me de folhas
Que me vão aquecendo
As noites, os dias
Que me vão correndo
Veste-me de flores
Mesmo que seja Inverno!
Perfuma-me com odores
De estevas e giestas
De rosas bravas e de madressilva
Põe-me na cabeça
Uma grinalda de flores
Veste-me de Maio
Mesmo que sinta dores
Veste-me de cores
Mesmo que seja Inverno!

Em silêncios

Falas-me no silêncio do teu olhar
Sentado no recanto dos teus laços.
Porque não me beijas tu
Quando desejas
Porque me deixas
Com sede dos teus abraços?!

Bebes-me em goles
Devagarinho
Eleges-me raínha
Em trono dourado.
Dizes-te por dentro o meu amado
Esboças por dentro um sorriso.

E eu vivo fora
Porque de fora sou
Exuberante como escarlate rosa
Fora ao relento sob o céu estrelado
Fora ao orvalho da doce madrugada
Dentro da lua e assim me dou.

Quero ver dentro e às vezes não posso
Quero-te abraçar e às vezes não ouso
Quero-te falar e os lábios cerram
E fico contigo como barco em porto
Enroscada aos sentires no ninho que é nosso.

Olhas-me em silêncio
Sonhas-me calado
Sonho-te dormindo
Sinto-te a meu lado.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Meu rio d´ouro


Doce rio a ti não desço
encalhado entre rochedos
olho-te de cima a tremer
eu bem te queria descer
mas no corpo brota-me o medo.

As vertigens
puxam-me tanto
que eu tenho que recuar
meu rio, meu amado
parto logo para outro lado
embora me apeteça ficar.

Um dia encher-me-ei de coragem
para descer os carreiros
salto os rochedos
e sem medo de rebolar
abraço as tuas margens
sigo contigo a viajar.

Meu rio tão sinuoso
e logo abaixo sereno
cavaste vales
desditoso
neste planalto rugoso
mas é aqui que és mais belo.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Doce rio, meu amado

Sigo-te no silêncio das arribas
Rio meu que calmo segues
Entre rochedos e zimbros
Transmitindo a paz que bebes

Ah, se eu pudesse chegar-te
E me entregar em teus braços
Mesmo que trémula eu iria
Para me receberes com abraços

Pois tu não vês que descendo
Eu nunca mais subiria
De teus braços me desprendendo
Eu subir não poderia

Vives assim heremita
Sozinho bem lá no fundo
De tuas dores já padeces
Sozinho nesse teu mundo

Ah, se eu pudesse beber-te
E em ti mitigar securas
Banhada nas tuas águas
Lavava em ti amarguras

Doce rio, meu amado
Eu hei-de alcançar-te um dia
Nas águas do mar salgado
Envoltos em maresia

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Poema sem dono

Foi num tumulto da vida
Que me lancei na poesia
Tanto a brincar, quem diria
Hoje a escrever por terapia

Foi num dia encoberto
Que com garras me lancei
Naquilo que me parecia certo
E com poemas me encontrei

Escrevendo sem dar tréguas
A esta ânsia de dizer tanto
Em poemas também choro
Eu me esvaio em meu canto

E em pranto eu lancei
Os meus versos pelo mundo
E em rabiscos deixei
O meu sentir mais profundo

Sempre sinto nos meus dedos
Espasmos, dores e nevralgias
A pedirem-me que escreva
A toda a hora, todos os dias

É com paixão desmedida
Que semeio aos quatro ventos
A paixão que sempre bebo
Tirando risos aos tormentos

domingo, 8 de agosto de 2010

Faltam orvalhos

Secam-se-me as palavras como se seca o Planalto neste Agosto que não nos dá noites amenas de orvalho. O vento sopra na solidão dos cabeços, seca-se a água nas fontes, esgota-se nos poços para manter frescos os pequenos oásis. Mais um balde, um cegonho que chia em seus madeiros a friccionarem-se, um motor ronca, a água brota do poço, apertada nas mangueiras. Pouco depois, engasgado com o combustível deixa de respirar, a água deixa de correr, os feijoeiros choram de sede.
Vais-te tramar comigo se por tua culpa a horta se me seca!
Puxa a corda para dar à ignição, por instantes parece que irá recomeçar, mas num desânimo de vida gasta, vai-se abaixo, os braços deixam de ter força, o motor vence. Pragueja, mas em vão.
Malvado dum raio, rebento-te esse monte de metal cinzento se me obrigas a puxar a corda do balde para tirar a água do poço para que eu continue a atender aos pedidos de socorro que a horta me está fazendo.

Faltam-me as noites húmidas que me tragam orvalho aos lameiros e neles me fiquem marcados os passos, me molhem os sapatos, me refresquem e me mostrem o caminho de regresso a casa sem que para isso outros sinais de passagem deixe que não aqueles que marcaram os pés, quando de manhãzinha antes do nascer do sol, caminho pelos campos.

Faltam-lhe as pernas que sejam capazes de seguir a vontade de caminhar, faltam-lhe os caminhos que se façam curtos, faltam-lhe as mãos fortes que ponham o motor a tirar água do poço, falta-lhe a esperança de voltar a plantar horta, faltam-lhe as melodias a aflorarem aos lábios, falta-lhe a voz para cantar as canções que vai treinando para que ao menos a letra lhe fique na memória.

Falta-me o aroma da Primavera fresca neste Outono em que, contra a minha vontade, o tempo me faz cair a folha.

Falta-me a música dos dias de festa…
Faltam-me os chilreios da longínqua infância!

Faltam-te orvalhos que te refresquem a pele seca, os olhos baços, o corpo hirto!





segunda-feira, 26 de julho de 2010

Cansadas...

Estão cansadas, as flores...

Há nuvens negras a poente
Onde Vénus despertou.
As flores estão cansadas
Do jardim que lhes calhou
Dos aditivos
Dos cortes
Das fomes
E da primavera
Que não as amou.
Estão tristes, as flores...

sábado, 24 de julho de 2010

Poeticamente...


Às vezes, antes que os meus dedos escrevam, no meu corpo eu sinto ondas de musicalidade daquilo em que penso, mesmo que não pense em palavras, não pense em frases com que possa fazer um texto, uma palavra que seja. Ondas de musicalidade a virem-me nem sei de onde, música a rimar em poemas.

Tentei desenhar letras com essa música mas as pálpebras pesaram-me até que, os cílios finalmente uniram-se em toques leves.
Dormi uma pequena sesta no sofá da sala, depois de ter fechado todas as janelas. Uma mosca insistia no seu zumbido. Odeio moscas, odeio-as tanto que era capaz de lhes infringir um assassinato colectivo. Odeio moscas e odeio muitas mais coisas, já que tenho mau feitio...
Odiar não, acho que não odeio seja o que for, ódio não, apenas intolerância.
Há que dar musicalidade poética à vida para que a vida possa suportar as intolerâncias...

Uma das coisas é o maldito pano do pó assim como o aspirador e a vassoura. Com eles até urticária sinto nas veias. Prefiro uma enxada, mesmo que de pontas longas a furar a terra, a dobrar-me os quadris e a contrair-me as vísceras...
Olhei a mesa e, a presumível transparência do tampo de vidro que cobre um trilho (utensílio com que se debulhava o cereal), tinha uma opacidade de rocha branca. É preciso pôr as mãos à penosa obra de acabar com o pó da sala que afinal tinha sido limpa ainda havia menos de uma semana.
Peguei no objecto do meu suplício e lancei-me à mesa. Limpei-lhe o pó, depois lavei-a com um pano molhado e sequei-a com um jornal de notícias amareladas. Como que em sonho, toquei piano enquanto limpava, eu que de música nada sei. Fui tocando, tocando, acariciando teclas, voltando folhas da partitura. A mesa ficou impecavelmente limpa, primorosamente tocada pelos dedos leves do jornal cada vez mais desfeito de suas bombásticas notícias.

Os móveis são de cera, como era o pequeno móvel feito de madeira de eucalipto onde a minha infância guarda as loiças de festa. Claro por dentro e escurecido por fora à custa do tempo e do fumo que viajava por toda a casa, enquanto não existiu a humilde chaminé. O único móvel que havia para além dos escanos, esfregados com água e sabão azul e as arcas de madeira onde se guardavam as roupas de casa e de vestir. Por falta de espaço muitas coisas se atafulhavam debaixo das camas de ferro encostadas à parede e tapadas as misérias com a dianteira, um pano branco bordado e com renda que se prendia debaixo do colchão de palha e que tapava todo o recheio familiar e supria a falta de móveis.
Cera virgem de abelha lhe punha a minha avó e lhe puxava o lustro com uma meia de lã de ovelha cravejada de remendos e de buracos, tricotada pelas mãos hábeis da minha mãe. Muito próximo estava a mosqueira e dela me chegou o cheiro a toucinho, a chouriça cozida e a todas as coisas que era preciso conservar na despensa fresca, quando a electricidade descia pelos fios da candeia até ao prato.

Peguei na cera, subi ao colo da minha mãe e da minha avó Ana e esfregando o pano vezes sem conta trouxe aos móveis de antiquário, de casas doutras infâncias, um brilho e vida que seguramente nunca teriam tido, um brilho poético porque poeticamente polidos com a meia de lã de ovelha da minha memória. Um brilho de fazer inveja à velha caldeira de cobre esfregada com cinza e aos potes de ferro que trazem o brilho da areia das valetas do caminho, depois de passar a enxurrada e que cheiram a sabão em barra, azul e branco a lembrar o céu.
Poeticamente...
Poeticamente, enfeitiçando as minhas intolerâncias...

O fim da clausura

Estive este tempo todo sem internete por uma razão que ainda não descobri. É quase impossível suportar essa solidão nos tempos de hoje. Com outro computador a janela abriu-se enfim...
Fui escrevendo sem que pudesse publicar mas, não é a mesma coisa. Sinto necessidade de comunicar e, fazendo-o através dos blogues, eu sinto que falo com o mundo.
A quem me segue, as minhas desculpas e o meu obrigada.

Nas constelações da minha alma


É apenas mais um lugar onde me sento,
onde pisei searas de trigo
para ser formiga
em cerejeira de tronco rugoso.
Elas doces, negras, magras
que de tão magras,
o caroço lhes saía nas costelas.
E poucas, tão poucas!...
E belas, tão belas!...
Belas, apetitosas e únicas,
como única é a infância
feita de aromas silvestres...

Não foi este o meu casulo,
o meu canto dos silêncios
mas daqui eu posso vê-lo,
lá em baixo na aldeia, meu ninho,
aonde sempre me abeiro,
de mansinho...

Daqui vejo o sol a ir-se,
bola incandescente
tocando a silhueta dos montes
onde os meus sonhos de infinito poisam.
E vejo fontanários
e vejo fontes
e cântaros no parapeito
esperando uma fala apressada.
E vejo tudo,
vejo tudo, em nada...

Quando finalmente o sol me deixa
e Vénus se me faz confidente,
apago os candeeiros da rua
E vejo candeias somente
E vejo crianças
e muita gente...
Gente que trabalha numa canseira infinda,
Esfarelando o pão com as mãos calejadas,
sente tudo,
em troca de nada...

E depois,
em cada casinha,
com sua janela discreta,
eu vejo
o nascer de uma estrela,
trémula, frágil, inquieta.
Atrás dessa, outras,
alumiando serões
e na minha aldeia eu vejo
brilhantes constelações.

A lua de tão confusa
de ver tantas estrelas na aldeia,
humildemente deixou-se
cair inteirinha,
Cheia.
E eu,
... eu vi-te
à luz da candeia!...

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Agarro-me

Agarro-me à vida
Como que a segurar esmeraldas
Dum mar imenso em mim
Grinaldas de rubis de Outono
Que me enfeitam
Onde em silêncio me entrego
Me abandono...
Agarro-me à esperança
Venço as dores de que padeço
Sacudo, choro
Canto, sonho
E em ti adormeço.
Acordo em ti
Abraço-te
Agradeço...

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Hoje sinto-me a ave fria, de luto

No último texto que escrevi, falava eu da cotovia que morreu de sede e de pranto por lhe terem tirado a pedra, onde, bem no centro, na covinha, fazia o sumo de amora e bebia com a palhinha de centeio.
Nem de propósito eu poderia ter escrito um texto tão oportuno! A cotovia poderia ter morrido também, se acaso tivesse ressuscitado...
Nasci numa casinha de pedra. Encostada à casa eram os estábulos e o palheiro da tia Chica Barriguita. Depois era mais um pedaço de casa onde me lembro de ver grandes arcas, estendendo-se em L a oficina de Ferreiro do meu avô fechando a seguir com a pocilga dos porcos em redondo. Mais tarde adquiriram as lojas da tia Chica ficando assim um pátio fechado não tivesse o meu avô derrubado o muro e o portão, ambos altos, porque a ruela contígua, a um nível mais baixo, era demasiado estreita e não havia largueza desejável para passarem os carros de bois das pessoas que ali moravam ou lá tinham os estábulos.
O tio Avelino, meu avô, não era capaz de negar um favor e assim, muro e portão foram abaixo, quando a minha mãe era criança, conta ela. Só me lembro do pedaço de muro, exactamente naquele ponto da ruela, abrindo-se mais desafogada em frente a estábulos, já não precisava do terreno de cima. A terra num nível superior foi caindo com o efeito do tempo e da chuva, alargando cada vez mais a ruela. Viam-se perfeitamente no chão as marcas dos limites, porque a estreita rua era de pedra, um calcetamento que se via tinha sido feito com muita sensibilidade e bom gosto, pedra ao lado de pedra, umas mais lisas e de maiores dimensões, outras arredondadas. Aquelas pedras guardavam história e muitas brincadeiras de crianças que, até ao toque das trindades corriam como pássaros. A rua empedrada terá surgido no tempo em que aldeia surgiu ali, quando, dizia-me a minha avó, a aldeia teve que sair do sítio de S. Lourenço por causa das formigas. Na falta de insecticidas para as combaterem, tiveram que mudar a aldeia. Resta lá a cruz da capela a vigiar a minha casa, construída recentemente naquele lugar.
Dói-me a alma só de pensar na escuridão do alcatrão e sinto calor aqui bem longe, como se lá estivesse, só de pensar o quão viscoso o sol o tornará no estio rigoroso do nordeste.
Hoje sou cotovia triste, mais uma vez, porque mais uma vez apagaram as marcas da história dos meus antepassados e desta vez, má sorte, com pazadas de alcatrão que detesto.
Tivesse ao menos feito uma despedida digna quando pela última vez há um mês e picos te vi!
Quem me dera ter sabido e olhar-te-ia longamente na derradeira vez. Iria seguir e sempre olhando como uma mãe a despedir-se dum filho condenado à morte.
Sou de novo cotovia, ou ave fria, de luto, triste e fria, como frias são as mentes que nada preservam.
Que haja progresso mas que esse progresso não se faça à custa do desmantelamento dos vestígios dos nossos antepassados.
Calçada linda que me miraste em todos os acordares, adeus!

domingo, 4 de julho de 2010

Em mim...

Vive em mim uma andorinha, aquela que quando dei o primeiro grito para experimentar a eficácia dos pulmões e a partir do qual fui eu inteira, poisou no parapeito da pequena janela vestida de vidro riscado do quarto que me serviu de maternidade, sem marquesa, sem médico ou enfermeira e onde de cócoras a minha mãe me lançou nas mãos da minha avó, ali bem junto ao sobrado de tábuas esfregadas com escova e sabão azul.
Era Maio. Não me lembro que tempo fazia. Presumo que seria bom tempo e que as andorinhas esvoaçassem para retocar os ninhos com o barro arrancado ao ribeiro ou ao buraco escavado na terra vermelha donde antes as gentes sacavam o barro para moldar as telhas que seriam cozidas no forno. O forno da Fontásia ainda me lembro sempre que por lá passo e vejo o buraco atafulhado de lixo e silvados.
Há uma andorinha em mim, aparentemente exuberante mas no fundo discreta como uma flor silvestre, uma violeta da beira do caminho, sequiosa de aventura e de mundo.
Há uma andorinha em mim a transportar o barro vermelho com que construa as telhas tão poeticamente belas para refazer os telhados da minha infância que uma moda de novo riquismo as extinguiu para deixar os telhados altivos, vestidos com telhas de diferentes cores que graciosamente descascam em cada inverno sempre que as geadas lhes congelam os pigmentos.
Há telhas em mim, também há telhas, daquelas de barro sepultadas num fosso de esquecimento! Daquelas de vermelho acastanhado, cobertas de história e musgo onde passarinhos poetas saltitavam para ver o céu mais perto, e a lua e com ela fazerem poemas.
Há uma andorinha em mim. Às vezes sim, outras não! Já não sei!...
Outras, há cotovia de cantar triste, tão triste que faz chorar a pedra onde fazia o vinho de amoras, ali debaixo da amoreira, na covinha bem no centro e que depois sugava aquele vermelho de lábios virgens, com uma palhinha de centeio. A cotovia do meu coração triste já não tem onde beber o sumo de amora, porque a pedra, aquela que lá está é cinzelada, lisa de painel de vidro de novos ricos.
A cotovia que havia em mim morreu de sede e de pranto!
Desisto de ter em mim o que quer que seja… mas quero tão só, estar em cada andorinha, em cada cotovia ou cuco, gaivota, rouxinol ou albatroz e agarrada às suas asas voar, voar cantando!

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Em relógios de lua

Desde que experimentei o verdadeiro silêncio,
deixei de temer a morte.
Que mais pode ser a morte
que um silêncio prolongado...
Aquele silêncio
em que o relógio que o pode marcar
é o relógio solar
ponteiro dirigido ao céu,
sem tic-tac.
Desde que conheci o verdadeiro silêncio,
deixei de ter medo da vida,
da vida que come o silêncio...
Conto-me no relógio de areia,
uma a uma
se deixa tombar,
a contar os segundos,
sem ruído de ponteiros,
nem cucos a espreitar.
É nesse marcar de tempo
sem tic-tac de solidões
que me nascem orquestras de silêncios
em ondas a levarem-me ao céu
como que na derradeira viagem,
com o tempo contado
em relógios de lua...
Que mais será a morte
que um silêncio,
onde o compasso não vem da areia,
nem do sol,
mas tão só da lua,
donde mire o mundo com poesia,
donde continuarei a fazer-te poesia,
calma, serena,
a minha,
viva...
gravada pelo vento
nas dunas do meu silêncio...

terça-feira, 29 de junho de 2010

Em ondas de planuras

Toco-te
Nesse rosto que entre brumas
Me chega sereno
Como colcha acabada de tecer
Como seara ondulada pelo vento
Nas planuras da minha infância.
Toco-te
Quando te olho
Na urgência de te ter
Neste querer sem distância.
Tenho-te
De olhos fechados
Com o corpo e com a alma
Quando deitada em frente
À tua voz, adormeço.
Tens-me
Tocas-me
Quando me abraças
Com ondas alterosas
E em ti estremeço.
Cansada, regresso.

Mágico Oceano

Vi-te ao longe, que de tão longe, em ti não identifiquei mais que a cor. Achei-te belo, tão belo que nunca mais esqueci o mágico azul que me estendeste num prolongamento de céu.
Vi-te pela primeira vez quando o comboio que também a ele vi pela primeira vez em Duas Igrejas, a última estação da linha do Sabor, me levou para estudar no Porto.
Pela primeira vez também vi o rio Douro num vale em que se podia espraiar lânguido, sem o aperto dos fraguedos. Segui atentamente o seu percurso de lá de cima dos carris, numa viagem que sorvi em golfadas, olhos esbugalhados e boca aberta de espanto.
Vi-te Oceano Índico de águas mornas, por vezes agradavelmente mais frescas em correntes que de súbito, tenuemente me refrescavam. Entrei em ti pela primeira vez numa manhã escaldante de Fevereiro, sol quase a pique, corpo tenro e branco de veludo, em breve tostado quando, como criança mergulhava numa lagoa que as ondas tinham deixado na areia e cuja água quente ferveu no meu corpo.
Pura magia! Amor à primeira vista, paixão para além do Verão!
Visitei-te apaixonadamente, umas vezes entrando em ti, outras, passeando na extensa marginal ao volante do Datsun branco ou o jeep Toyota descapotável, ambos com volante à direita por se tratar de condução em Moçambique, influenciado pela Rodésia, seu nome na época.
Depois mar, quiseste-me levar embalada numa onda gigantesca. Bebi-te mais que alguma vez pensei beber água de mar, numa altura em que treinava os passos para dançar contigo. Tive medo, perdi os passos de dança e levei estes anos todos para os readquirir. No ano passado já ousei entrar mais por ti adentro mas quando dava conta que não tinha areia debaixo dos pés, dava aos braços até sair, Atlântico igualmente sedutor.
Libertei-me dos meus medos e agora tenho o respeito que qualquer pessoa que como eu, sem uma técnica apurada de natação deve ter, quando em ti entra.
Libertei-me na tua frescura, larguei as dores que me acompanhavam da ponta dos pés até à cabeça, e, sem que o corpo me pese, em ti deslizo olhando o céu ou, com a cabeça dentro das tuas águas verdes, vejo o fundo, as conchas, os meus pés, os cardumes que às nove da manhã se aproximam sem medo da única pessoa a visitá-los àquela hora. É tão fantástica a praia às nove da manhã!
O nadador salvador prepara os toldos, a massagista tailandesa as toalhas e as essências, as mães prudentes passeiam os bebés debaixo dum boné e duma blusa e eu, também prudentemente me preparo para mais uma manhã de sol e mar.
Ao meio dia é o regresso a casa. Regresso fresca, revigorada, restabelecida das marcas que um Inverno húmido deixou no meu corpo. Até logo mar! Até às cinco ou seis da tarde para ver reflectido nas tuas águas o sol que todas as tardes se despede atrás das escarpas.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Os giraprincipes

Penetro na floresta à procura de húmus para fertilizar as orlas dos caminhos por onde passa. Quero que veja lá crescer os girapríncipes, flores que enfeitiçou e que por isso o seguem. Todos virados, sempre a olhá-lo nos olhos.
Girapríncipes de caule grosso e nem por isso deixam de se virar. Quando chega o fim do verão as suas flores já lhes pesam, de tão carregadas de sementes. Fazem-lhe uma vénia e deixando-as cair na orla do caminho, dobrados, sucumbem num entardecer.
Quando a primavera volta e o sol aquece, pedem-me de mansinho o húmus para se fazerem fortes. E repete-se, repete-se, por verões seguidos, anos, muitos anos...
Até que houve um ano em que o caminho deixou de ter luz para os girapríncipes. O Príncipe foi para outro reino.
Fertilizei-lhes a terra, pedi às nuvens água para que refrescassem e crescessem.
Fecharam as pétalas, murcharam as folhas e até as sementes a começar a formarem-se, se queriam soltar...
Depois disse-lhes que olhassem sempre para o sol que um dia o seu Príncipe chegaria de trás daquela luz.
Assim fizeram os girapríncipes. Sempre a olhar para o sol.
É por isso que se chamam girassóis, perguntou o menino a bocejar,... porque giram com o sol?
Sim, foi a partir desse dia...
Aconcheguei os lençóis e pus húmus nos beijos para que aquela flor crescesse forte...

... todas as noites!

Inutilmente seca!

Entrei num bosque fresco, tão fresco como se fosse na Amazónia. As árvores seculares têm porte de gigantes e os seus troncos estão presos por raízes que se espalham pelo solo fresco como se de troncos se tratasse, de tão fortes. Estão cobertas de musgo.
Deitei-me em cima dos fetos a olhar para as copas e o sol poisava-me no vestido em pontinhos brilhantes como se me tivessem caído em cima estrelas. O musgo verde e as heras que trepam até lá cima dão um ar de frescura inimaginável.
Quando entrei no bosque estava sedenta, os meus olhos pestanejavam de tão secos, a minha pele repuxava como se não tivesse extensão para me cobrir a carne e a alma, essa mais parecia um deserto.
Deitada, ouvindo os embalares de silêncio que o vento trazia quando, suavemente agitava as folhas, senti-me como se fosse dona de toda aquela frescura. Fechei os olhos para melhor entrar no silêncio e, aos poucos senti a pele como se estivesse coberta de orvalho. A luz formava em cada gota um arco-íris.
Deixei de sentir as pernas presas imaginando-me no tempo em que os meus passos eram elásticos como os de uma gazela que foge numa savana, dos dentes encarniçados do leopardo. A minha alma gretada pelo tempo de cieiro começou a amaciar dos lados, depois mais ao centro até que parecia uma lua cheia, donzela resplandecente nas noites de Agosto. A minha alma igualzinha ao luar...
Quando abri os olhos dedilhei nas teclas, aqui mesmo, nesta sala, com os cortinados corridos da noite anterior. Abri-os com força, mandei entrar o sol duma manhã de Junho, a primeira manhã do Verão, finalmente o calor entra-me pelos poros, as flores precisam de água no jardim.
Sempre dedilhando vou olhando para fora, os dedos tocam na tecla ao lado, olho o écran, corrijo e olho, olho para ameixeira com o tronco coberto de heras, para a rúcula que imagino viçosa, semeada por esta mão que é terra que é água que é húmus e que faz florir as rosas porque as acaricia todas as manhãs.
Larguei o teclado, desci ao jardim, debaixo da ameixeira senti-me orvalhada e vi sobre o meu corpo pequenas estrelas penetrando entre as folhas, vi arco-íris, saltei para não pisar fetos e vi heras e musgo verde naquela bela árvore com meio século.

E vi-me tola, inutilmente seca!...

devolve-me

Ó vento
Devolve-me as brisas dos amanheceres
Na areia fresca de manhãs distantes
Vestidos de conchas, sapatos de búzios
Em barcos balanceando nas ondas.
Ó vento
Devolve-me as marés...

sábado, 19 de junho de 2010

Chega-te a nós, cidade!

Chega-te a mim cidade, tu que cravas na minha essência, golfadas de solidão.
Percorro-te em pisadas suaves como que a acariciar-te a calçada, mas indiferente, não dás por mim. Percorro-te e quanto mais avanço mais o peito me aperta, mais a multidão apressada me sufoca, mais me apresso também para não ser abalroada. Mas eis que um pé me falha, a perna perde o vigor e caio ao chão. Uma clareira se abre na minha direcção, estou de bruços, as lágrimas caiem-me face abaixo, quero erguer-me, levanto os olhos, vejo o céu azul acima dos telhados, uma nesga e vejo gente que foge, um jovem distraído pisa-me a mão. Gritei, mas o que é isto, que cidade é esta onde vivo, pois eu nem vivo e quiçá nem sobrevivo a tamanha solidão??!!
Arranjei força e ergui-me, sacudi o pó do vestido, com um lenço limpei as pernas manchadas de negro com o negro da cidade, cambaleante segui, no meio de gente igual a mim, solitária, cansada de ser gente que trabalha e nada tem, gente que quer trabalhar e nada tem, gente que já trabalhou e agora não e nada tem.
Mais à frente, debaixo das arcadas um sem abrigo areja a cama e fala com o cobertor sujo que lhe tapa as misérias dos dias, ajeita a camisa para parecer engomada e prepara-se para ir encontrar lugares de estacionamento para os carros que sabe que nunca terá, ganha uns euros para se picar, mas já nem sabe onde, está crivado, só lhe restam os testículos e sabe que um dia terá que ser, será nos testículos que irá picar para mais umas doses de alienação, quer chegar por umas horas a outra cidade onde veja estrelas, onde durma numa cama, onde tenha uma mesa cheia de iguarias, quer-se lambuzar com tudo, mas deste banquete só lhe resta uma ressaca, um papelão que lhe voa da cama, outro dia, mais lugares vazios para estacionar a puta da vida em que se meteu, quando, ainda moço e cheio de vigor se decidiu experimentar aquele pó adulterado misturado com limão, aquele dia não em que mais valia que não tivesse saído naquela noite, que lhe saiu a má sina, aquele pó que lhe lixa as veias, saído duma seringa onde partilha pobreza, desventura, doenças, solidão.
Olha para eles, cidade!...
Mais abaixo, uma mendiga de mão estendida pede esmola, tem ao colo uma criança, a outra está na barriga, numa barriga sem pão. Que história esconderão aqueles olhos de súplica, naquele corpo escanzelado, onde irá parir aquele filho, com que mão o segurará para continuar a ter uma mão estendida às misérias que lhe oferecem.
Olha para eles, cidade!
A multidão está a dispersar, seguindo diferentes rumos e, agora que estou só nesta esquina, já sinto menos solidão. A mendiga falou comigo, pediu-me esmola, ouvi uma voz que me era dirigida depois de longas horas, meti a mão na carteira, dei-lhe uma migalha de pão para o longo dia, para uma longa vida de mão estendida, para uma solidão no meio gente que corre e nunca chega a lugar nenhum.
Chega-te a nós, cidade!

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Sem palavras para olhar o céu

Nem sequer tenho tido tempo para escrever o céu. Hoje olhei-o de relance e estava lindo. O fundo era azul aberto e as nuvens pareciam claras em castelo.
Tenho escrito mentalmente e, quando quero passar ao teclado surge sempre uma letra que emperra.
Quando a cabeça estiver desocupada sairá em catadupa, as palavras serão transportadas por um galgo que disputa uma corrida e lançadas contra o écran como cimento numa parede molhada. Ficarão firmes a olhar para quem passar aqui, neste mundo virtual.
Agora, as palavras estão exaustas, quero sacá-las mas não sou capaz de as demover do caminho que querem seguir. São tão teimosas as palavras, tão insolentes...
Neste momento fingem não me conhecer! É como se mais nada tivéssemos para partilhar.
Éramos confidentes, chegámos a ser muito mais que isso, chegámos a ser amantes. Agora, é como se não conhecessem o perfume do meu corpo, não recordassem o arrepio que me causavam na espinha quando me tocavam na ponta dos dedos que fosse... Bastava o toque nos dedos e eu tremia...
Partiram todas pela manhã, pé ante pé, para não me acordarem. Foi quando a porta rangeu um pouco mas como o tempo estava chuvoso e frio, pensei que era do vento que soprava. Nem uma carta, um bilhete que fosse à cabeceira ou em cima da mesa do pequeno almoço.

Nem um texto vos deixei, uma frase que fosse onde vos dissesse até logo ou até qualquer dia.
Nem tenho tido palavras para olhar o céu...
Os olhos viram-no lindo pela manhã, hoje, azul encastelado.
Vermelhão à hora de se ir...

sábado, 5 de junho de 2010

Talvez...

Se fosse no tempo em que as insónias me faziam criar, desejava-as em cada noite.
Agora, açoitam-me, lançam-me contra as paredes brancas do quarto onde não há linhas para poisarem os versos, projectam-me contra o tecto, inerte e, quando penso colori-las, repelem as tintas que lhes lanço da paleta em golfadas de desespero.
Porquê que tenho insónias?
Porquê que tenho tantas que já não há carneirinhos em número suficiente para contar?
Porquê que o registo do meu sono é marcado a vermelho, em algumas noites? Nem um segundo a azul, sempre no limite! Ao menos podia ser às bolinhas, todo a vermelho é desespero, é sangue em demasia.
Passa uma vida ociosa o aparelho que me regista o sono e me deveria permitir ter um sono mais reconfortante.
Zero registos, tudo contínuo, nem um gancho para cima, nem um sopro para baixo, tudo igual desde a uma até as sete ou oito da manhã. Porquê que não me deita da cama para fora, esse idiota preguiçoso. Se fosse profissional a sério, desejaria que o desligasse, que o mandasse executar outro trabalho, que mais não fosse, me contasse carneirinhos.
Sou eu que lhe ordeno, sim, a culpada sou eu, o meu corpo cansa-se, quer estar quieto.
Porque me queixo afinal?
Sempre insatisfeita: com as insónias, com as noites demasiado dormidas, com as telas brancas, com os versos incompletos, com as folhas cheias, com as folhas vazias, com as telas imperfeitas e com aquelas em que não lhes induzo um luar porque são excessivamente óbvias.
Porque desejo sempre criar se o acto de parir essa criação me causa tanta dor!?
Porque lanço sementes se a espera do germinar me cansa?...
Giro sobre mim mesma para construir o meu espaço, aquele onde me sinta confortável, cama de veludo, nem uma bolha que seja, como sendo o caracol em sua casa.
Giro, giro, esperneio os obstáculos, aspiro as bolhas de ar para me acomodar, para ver se mando embora as insónias.
Giro, giro, sempre a girar sobre mim própria e, por vezes sinto tonturas, outras vezes náuseas causadas pelas bolhas de ar que me comprimem a cabeça contra a carapaça...
Quando o meu corpo se ajustar ao espaço, ou o espaço ao meu corpo, sei lá,... hei-de senti-me fresca como se sente a ameijoa na concha quando, com a água salgada se abre, para beber essa frescura...
Talvez a ameijoa e o caracol nunca tenham tido insónias, vivendo na poesia do seu espaço.
Talvez me falte poesia, a poesia do espaço...

terça-feira, 1 de junho de 2010

A caminhar prossigo…

Tenho sede de tempo
Tenho fome de vida
Tenho o corpo sedento
Tenho a alma dorida.

Visto-me de sal
Do suor das searas
Enfeito-me com o toucado
Que o feno me empresta
Agarro-me às escarpas
Para não tombar ao abismo.
Troco o passo, vacilo.

Agarro-me às silvas
Agarro-me às tábuas
Salvo-me e respiro.

Tenho os pés calçados
Com os caminhos onde piso
Tenho a alma vestida
Com os frutos amargos.

Com as pontas dos dedos
Penteio os cabelos
Seguro as vaidades e
Passo a passo insisto.

Passo a passo resisto
A caminhar prossigo...

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Algarve- A 1ª Impressão

Ouve-se muitas vezes dizer, “não gosto do Algarve”. Eu própria já o disse nos finais da década de setenta, princípio dos anos oitenta.
Partimos os quatro, o meu marido, eu e os nossos dois filhos, o mais velho com quatro anos, o mais novo com dois. Partimos de Mirandela, seguindo para Lagos no outro extremo sul. Um Fiat 128 carregado com a tenda e toda a tralha necessário para o campismo e as vestes suficientes para um mês, panelas, aquelas coisas da cozinha para evitar comprar lá, porque o dinheiro era preciso esticá-lo para mal chegar.
O Ricardo tem que fazer praia por causa da rinite e da asma alérgica, dizia-nos o alergologista e, estas palavras custavam-nos uma pipa de massa. Tínhamos experimentado o norte mas era frio, muito frio, não só a água como também a noite dos parques. Havia sempre muita quantidade de roupa para lavar, porque os miúdos muito se sujavam e era mais do que natural com a terra leve e escura no meio dos pinheiros. Lembro-me, na Nazaré, ter ficado com um pulso aberto de tanta roupa lavar à mão.
Assim, decidimo-nos pelo Algarve durante o mês de Agosto. Inteirinho, de um a trinta e um sem tirar nem pôr. Saímos às dez da noite e chegámos a Lagos de manhã.
Não imaginávamos que o Algarve era tão concorrido e que no Algarve éramos tratados abaixo de cão. Assim foi connosco e o era, com quase todos os portugueses.
Tenda montada, cozinha edificada, avançado para as refeições, um fio para secar a roupa e lá estávamos nós preparados, para ficar no hotel /parque com pensão completa.
Quem fez campismo com crianças sabe perfeitamente que as compras dos víveres são diárias.
O Zé passava as manhãs nas filas para comprar o gelo para a mala térmica, peixe, legumes, pão, etc., etc… Chegava ao parque à hora de eu começar a fazer o almoço, sopa incluída, todos os dias. À tarde íamos para a praia, logo a seguir ao almoço porque nessa altura ainda não se sentiam os efeitos do buraco do ozono.
Houve um dia, pelo menos esse, em que fomos antes do almoço. Devo ter preparado qualquer coisa para meter na mala térmica para nós e para as crianças. Nunca mais me pude esquecer desse dia. Na praia ficámos vizinhos duns jovens casais do Porto, tal como nós com filhos e tal como nós, almoço na marmita. Comemos, conversamos, partilhámos os almoços sempre em amena cavaqueira. Chegou a hora do café e lá fomos ao bar/restaurante da praia. Seis cafés, pedimos ao balcão.
Só servimos cafés a quem almoça, respondeu-nos o empregado. Todos nortenhos naquele fim de mundo que afinal já não era o nosso país.
Educadamente procurámos contrapor que isso não fazia sentido e que não saímos dali sem tomarmos os cafés. Ele continuava na sua. Até que, um dos jovens do Porto com aquela pronúncia característica disse: Ou você nos serve os cafés ou bou ao carro buscar uma marriêta que lha fodo esta merda tuôda!...
O empregado, acagatado, foi falar com o patrão, e este disse-lhe que nos servisse os cafés.
Na verdade ninguém gosta de ser tratado assim e muito menos no seu próprio país. Jurei que nunca mais havia de por os boots no Algarve.
Não cumpri o juramento. Em Maio de oitenta e cinco fomos convidados para a festa de inauguração de uma casa de um casal amigo, fomos de autocarro fretado para o efeito, uma festa animadíssima. Lembro-me que o autocarro entrou em Armação de Pêra para vermos a praia e de pela primeira vez ter visto alfarrobeira, quando, na região de Silves perguneti ao meu marido o que era aquela árvore. Depois, fomos para casa deles sem que eu fizesse a mínima ideia onde se situava.
Apercebi-me à tarde, quando os quatro saímos para tomar um café e, olhando para trás num altinho, vi o mar. Que maravilha, pensei!...
Em Setembro, o casal emprestou-nos a casa para passarmos quinze dias de férias. Adorei, aliás adoramos todos, incluindo o meu pai que também estava connosco. Nunca mais deixámos de vir aqui. Sou uma transmontana que se sente aqui como se da minha terra se tratasse e, quando alguém me diz que não gosta do Algarve eu penso que já não haverá razão para não gostar, a não ser que estejam cá no mês de Agosto num daqueles sítios muito frequentados e horríveis com é por exemplo a Quarteira, Armação e muitos mais. Nós nunca passamos cá o mês de Agosto. Esse é para estar na aldeia, em Mirando do Douro.
Aqui continuamos a vir a este sítio pacato a quatro quilómetros da praia, sem confusões, sem barulho, uma paz quase semelhante à da minha Especiosa, onde da mesma forma ouço as cigarras, vejo o céu estrelado e acima de tudo contemplo o mar lindíssimo e me evado tantas vezes.
Ontem à tarde fizemos um giro pela Serra de Monchique, mesmo até a Fóia, a novecentos e vinte metros de altitude. Nunca lá tinha estado, tinha ido só até Monchique. É uma maravilha a paisagem que de lá se pode comtemplar!...
Depois irei escrever sobre isso. Adoro o Algarve.

sábado, 29 de maio de 2010

Surrealismo, ou nem tanto...

Prendem-se-me os versos agarrados aos dedos e não sobem com o vento.
Prendem-se as pernas agarradas aos dias e não sobem ao campanário.

Se eu tivesse desprendimento e não gostasse de usar anéis, rifava os dedos numa daquelas rifas de instituição de solidariedade em que se levam todos os trastes que não cabem nos armários das recordações. Os trastes dos meus dedos incluindo o indicador que nenhuma falta me faz que a minha mãezinha logo de pequenina me disso que é feio apontar. Até o mais pequenino ia, que agora há cotonetes para limpar a cera do ouvido. Mas ainda assim, anda por aí muita gente com os ouvidos entupidos...

Se eu tivesse pernas, ia daqui a Guimarães buscar outras mais leves, feitas das sobras da madeira dos cabos das facas, ou dos cornos que também há facas de cabo de corno, sem ofensa para ninguém, sim, porque as minhas facas ou antes as minhas pernas não são facas que cortem em seara alheia.

Pois é, já me baralhei
com facas e baldrocas,
com estas e muitas outras,
já me fizeram esquecer,
o que me trouxe aqui...

Os versos para subir ao campanário ou as pernas para subir com o vento? Ou seria antes, os versos para lançar ao vento e as pernas para subir ao campanário?
Será que o desnorte já chegou às pernas e aos versos?

Ah, pois foi!...
As letras que serviriam para fazer os versos, comeram-nas nas duas extremidades até chegar ao tutano.
Os versos? Nem um! Foram parar todos ao orçamento do livro e do livro, nem uma folha!

As pernas agarraram-se ao canastro do corpo e disseram:
Ah, pernas para que vos quero! Vamo-nos pirar daqui!... Com o que andam a tirar viramos cabos para facas!...

Arre que é demais! Não há maneira de meterem a faca no texto grande para deixarem os pobres versos em paz!

Estou cada vez mais baralhada!...

Vou voltar ao início porque, lembrei-me agora, o que eu queria era subir ao campanário a tocar os sinos a fogo que esta merda está a queimar-me os versos...
Ou serão as pernas que estão a arder?

Porquê que a palavra merda me fica sublinhada no texto, quando a escrevo?
Já sei,... o sublinhado reforça a ideia... O computador é esperto...

sexta-feira, 28 de maio de 2010

...no meu firmamento

Numa noite de Verão
sentada no alpendre
fiz uma serenata à lua.
Enquanto a mirava
pousei a guitarra
e ela, indiscreta
deixou-se cair
para ver
que som era aquele
que tanto a encantava.

Pegou na guitarra
e eu peguei-lhe nos mares
e reparei que eram
camas macias
cobertas com as nuances
em tecidos de seda
flutuando com o vento.
Coberta com a brisa
ofereci-lhe guarida
no meu firmamento...

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Solta a rédea


Caminhas de cabeça baixa
Desatando os nós de uma teia
Que a vida às vezes tece.

Para que perdes tempo a desatar
Se mais depressa é cortar!?

Corta tudo num repente
Com uma faca afiada
Corta rente!
Olha que o tempo
Não espera
Nunca por ti, para nada.

Acende a fogueira dentro
Com erva seca, que seja!
Corta os medos
Deixa que o vento
Te atice a tua fogueira.

Solta o grito
Que tens encarcerado
Solta a rédea do cavalo
Solta o cabelo para ir voando
E por esses montes fora
Galopa
Mas sempre saboreando...

Galopa...
Como o tempo!

terça-feira, 25 de maio de 2010

Secas...

Há nuvens negras a poente
Onde Vénus se deitou.
As flores estão cansadas
Do jardim
Dos aditivos
Dos cortes
Das fomes
E da primavera
Que não as amou.
Estão secas as flores...

Irreverentes versos

Vendi os meus versos
Ao desbarato
Numa feira em promoção.
Leiloei-os
Mas entreguei-os
Na primeira licitação.
Agora sinto pena
Paridos com tanta dor
Estão já cheios de bolor
Traça e pó
Para serem vendidos
Como antiguidade
E terem algum valor.
Mal sabe o feirante
Como eles são irreverentes...
Irão sacudir a poeira
E livrar-se do bolor
De novo as rimas farão
E a fugir gritarão
Adeus!
Vamos embora da feira!

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Com os cabelos de oiro

Estava careca como nunca estivera antes, tão amarela como se fosse Outono.
Até lá, crescera como se respirasse trópicos com a voracidade de jovem a ondular a saia; de tanto desejar passou do limite, cresceu em volúpia, comeu terra alheia.
Crescia viçosa como se respirasse o Equador. Naquele crescer ultrapassou as regras, engrossou raízes, em pátios foi toupeira à procura de mais alimento.
Sem que alguma vez lhe tivesse passado pela ideia, foi-lhe cortada uma raíz da grossura de um ramo, aquela com que se aventurara a comer o que não lhe pertencia, aquela com que ao passar levantou o pavimento do pátio.
Floriu como nunca, dizia eu. Depois percebi que a quantidade das flores não aumentara o que tinha aumentado era a calvíce. Foi o declício, caiu-lhe o cabelo aos montes. Cada vez que a brisa lhe passava as mãos pelos cabelos era vê-lo a soltar-se, loiro cheio de pólen.
Um choque vitamínico foi-lhe prescrito para lhe salvar a vida.
Faz-me falta ali, ao sair da cozinha, para a ver logo que me levanto, verde, brilhante, bela. Com ela viajo para longe, respiro outros ares, deito-me em praias quentes e desertas. É por isso que a cada passo lhe ponho as vitaminas no prato para, a todo o custo a salvar.
Rebentos tenros começam a surgir, esperançados de que irão cobrir aquele tronco nú.
No diário que escreve, relativamente ao dia 7 de Outubro, lia-se. “ Hoje sofri o maior horror da minha vida e que me marcará para sempre; sofri uma mutilação atroz. Provavelmente sucumbirei a uma hemorragia ou a uma infecção e, no caso de sobreviver talvez não mais possa dar frutos.
Se não resistir ao golpe que me infringiram, levem ao menos as minhas cinzas para África, de onde nunca deveria ter saído, onde as minhas irmãs continuam a crescer livremente, sem que em cima das suas raízes lhes plantem pátios de cimento com um palmo de espessura.”
Quando acabei de ler, olhei para cima e reparei que havia já pequenos frutos de abacate a formarem-se e que as folhas começavam a encher-lhe as suas vaidades.
Talvez os frutos ainda se desprendam por tão fraca estar a mãe. Quem sabe...

Havia...

Havia uma ilha
Em teus olhos
Vegetação densa fresca
Areia dourada quente
Havia oceanos.
Os mares!
Os mares eram mãos
De carícias feitos
Postas no meu medo
Do naufrágio.
Na tua ilha
Havia um farol...

sábado, 22 de maio de 2010

E...assim ficámos

Envolvemo-nos,
eu e tu.
Eu gelada à procura de aconchego
tu quente, reluzente e audaz
envolveste-me para me aquecer.
Rolámos com loucura de apaixonados,
beijámo-nos com a sede
dos perdidos no deserto
e...
assim ficámos.
Despeitado,
lançou-se contra nós
a espumar de raiva,
sugou-nos com as suas ventosas
depois de ter arrancado tudo quanto
encontrava pelo caminho.
Até os búzios deixaram de emitir sons.
Subestimado,
feriu-me,
arrastou-me pelos cabelos
e a ti,
arrancou-te da cama quente.
Gelada,
perdi o fôlego e os sentidos
e os cabelos de tão pesados
obrigaram-me a ir ao fundo,
ao fundo
dos medos que eu julgava vencidos.
Gritou-me com o ódio do ciúme
e, com desprezo vomitou-me
emitindo um som medonho.
Foi aí que te encontrei
areia quente.
Abraçada a ti
perdi o medo, o frio,
recuperei os sentidos
e...
assim ficámos
envoltas em brisas.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Quero falar-te de silêncio




Hoje quero falar-te de silêncio,
deste silêncio do ventre
das madrugadas primaveris,
dos aromas dos jardins,
do cântico dos rouxinóis.
Quero falar-te do silêncio
que por vezes sinto
mesmo no meio de multidões.
Sabes?
Enquanto viajava na cidade,
ontem pintei o silêncio,
colorido,
pinceladas livres.
Eu diria que era incapaz
de pintar o silêncio!
Mas pintei-o!...
Pintei-o
numa carruagem cheia de gente
e eu,...
que não vi gente nenhuma.
Em silêncio parti para outro lugar;
saí num apeadeiro,
acompanhada de pincéis e uma tela.
Foi aí que pintei um silêncio,
e,
embora debaixo do solo,
foi pintado com a luz do sol.
Num percurso sem paragens
segui pintando, pintando...
Depois,
um chiar de travões
devolveu-me ao mundo
e li o nome da estação de Metro.
Estava já longe,
como no sonho
seguira...
Inverti o sentido da caminhada
entre a multidão apressada.
O sonho partiu, e eu parti
de regresso a casa.
Depois,
peguei nos pincéis
e pintei-o aqui...
no silêncio da madrugada.

sábado, 15 de maio de 2010

Os Nús em Mirandela

Uma bomba caiu sobre Mirandela... Mais uma bomba sobre o recato daquela gente que pensa que é mais digna que os outros só porque não posaram para a Playboy ou não pintaram nús artísticos. Mais uns nús a dar que fazer a mais uma vereadora, falsa moralista...
Faço ideia de como se babaram a ver aquele corpo escultural, sim, babados os homens...
Que se preparem as legítimas que terão pela certa ceia redobrada por causa das fotos que lhes serviram de motor de arranque aos respectivos...
E as mulheres? Os professores têm que dar o exemplo de boa conduta, dizem. Mas será que essas senhoras armadas em moralistas serão mais dignas que a professora que posou para a revista em poses artísticas. Não será por inveja por não terem um corpinho escultural?
Santa ignorância!
Essa gente não sabe nem sequer imagina o que é arte. Foi essa mesma Câmara através duma vereadora da cultura que também, a pretexto de serem de nús me retirou dois quadros duma exposição.
O senhor Presidente da Câmara já deveria ter aprendido que o nú artístico é artístico e pronto, está tudo dito...
Pelos vistos, pelo facto de não se ter candidatado a vereadora a senhora que me censurou os meus quadros a equipa não é mais vanguardista.
Dizia ele referindo-se àquela vereadora num jornal: A vereadora fulana de tal agiu assim porque é uma pessoa com ideias muito retrógradas. Ó senhor presidente!!! O senhor afinal continua também a ser retrógrado ou então não manda nada... Quem é que tem calças na Câmara de Mirandela???!!!
Sabe o que lhe diria se a encontrasse, a si professora que ousou despir-se: dê a cara, apareça a defender-se porque na verdade não tem de que se envergonhar, o corpo é seu e por sinal bem bonito e é livre de fazer isso e muito mais desde que não seja no âmbito das suas funções docentes. Por acaso as fotos saíram nos livros de ponto dos alunos? Aproveite essa breve fama e olhe, vá em frente e veja se consegue enveredar por outro caminho que esse seu futuro de professora de complemento curricular com contrato feito pela Câmara não lhe vai dar estabilidade, vai continuar contratada e o que ganha nem lhe dá para comprar uma tanga erótica para fazer outra sessão de fotos e quando se der de conta está um canastrão.
Aproveite os cinco minutos de fama e os euros que lhe puseram à sua disposição e dê um salto bem alto e mande-os para a... que os pariu, cambada de moralistas bacocos e ignorantes castradores.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Quando eu partir



Quando eu partir
apaga as pegadas
que deixei na lama,
acende a fogueira
e queima a cama
onde dormi.
Que importa o cheiro
que nos lençóis ficou,
que importa o ar que sobrou,
que importam
os rabiscos desenhados,
os poemas pintados,
os sonhos despedaçados,
os ais desperdiçados.
Quando eu partir
não me vás chorar
porque as lágrimas
já não molham os meus mares
e os beijos
já não beijam as minhas brisas.
Quando eu partir
lembra os meus olhos
quando ainda te sorriam...

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Divagações sobre a crise

Tudo começou com a grande crise financeira americana, essa descalabro financeiro que as agências de rating não preveniram por falta de uma análise criteriosa e atempada e que com ele arrastou outros Estados, nomeadamente da Europa, mas não só, devido aos negócios financeiros em cascata.
Essas mesmas agências de rating, que nada fizeram para prevenir a crise na América, ( são todas americanas) vêm agora dizer, e, segundo consta, com estudos feitos em cima do joelho, que Portugal e Espanha estariam com o risco igual ao da Grécia, de incobrabilidade das dívidas, quer a nível público, quer privado.
Com esta notícia o euro desceu, o dólar subiu, o que aliás interessa aos EUA, que com tudo isto o dólar saia fortalecido e, se possível o euro deixe de existir. Assim o dólar poderia voltar a ser como quase sempre foi, a moeda que ditou regras nos mercados financeiros e comerciais.
Porquê que não há agências de rating europeias? Claro que traz água no bico, só pode trazer, mas agora vou divagar por outro caminho.
A Europa arrepiou-se, os estados mais ricos, nomeadamente a Alemanha pela voz de Angela Merkel torceram o nariz à necessidade da constituir o fundo de coesão para ajudarem os Estados em dificuldades. Depois houve acordo, a União é isso mesmo.

Em parte, eu pessoalmente compreendo a Alemanha e o seu povo que se levantou dos escombros das guerras e da vergonha, sozinho, tudo devido ao seu modo de ser metódico, contido, lutador.
Os nossos eurocépticos já esfregavam as mãos perante a iminência de o euro deixar de existir, como se nós, país pequeno e encostado ao mar que pouco nos dá, pudéssemos sobreviver orgulhosamente sós…
Está na hora de arregaçarmos as mangas para sair da crise e, saindo vitoriosa a Europa, como se espera, ela sairá reforçada. Há crises que em bem chegam, para que se acorde e olhe para o porquê das coisas e, para futuramente não se repetirem os mesmos erros.
Houve já o compromisso por parte dos três Estados da adopção de medidas apertadas com vista à diminuição drástica do défice até ao fim de 2011.
No caso de Portugal a Comissão Europeia exigiu a aplicação de medidas, muito para além das que constavam do PEC.
José Sócrates reuniu com Pedro Passos Coelho que acordaram num plano para aumento de receitas.
Claro está, que no meio disto tudo quem tem que mais sofrer é o mexilhão, aqueles que sempre pagaram os impostos.
Assim, a meta é a descida do défice em 2010, para 7,3% e em 2011, para 4,6% à custa do aumento de receita.
Aumento de um ponto percentual em cada uma das taxas do IVA; uma taxa extraordinária de 2,5% sobre as empresas com um lucro tributável de IRC de ou superior a dois milhões de euros; uma redução de 5% dos salários dos políticos, gestores públicos e afins; uma taxa extraordinária de 1% para os funcionários públicos com ordenados até 2 375 euros, ou 1,5% se superiores.
A tributação das mais valias dadas pela diferença entre as mais e as menos valias com um reporte das menos valias de três anos, tenho as minhas dúvidas que vá avante, como aliás noutras situações sucedeu. Espero que desta vez sejam tributadas, caso contrário, a equidade fiscal que deveria existir ainda fica mais beliscada.
Agora, no meio disto tudo quem é que mais vai sofrer? Quem já agora, mais aperta o cinto…
Os políticos e afins podem perfeitamente com o arrombo, mas os outros?
Os bens todos mais caros, a redução nos ordenados, e , não tendo como possam fugir a este destino, são entrincheirados por causa de faltas que não cometeram. Sim, porque uma parte do défice deve-se à cobertura por parte do Estado das falcatruas de banqueiros irresponsáveis e vigaristas, valores de obras públicas que sempre derrapam, comissões, etc. etc. etc…
Quanto às empresas com lucros tributáveis de pelo menos três milhões hão-de fazer de tal modo engenharia fiscal e contabilidade criativa que não só vão pagar menos IRC por ficarem aquém daquele valor, como consequentemente não pagarão o imposto extraordinário.

Porquê que não aplicam uma taxa mais elevada aos lucros da banca? Porque se iria repercutir nos utilizadores dos serviços bancários, dizem. E então o aumento do IVA não vai repercutir-se nos preços dos bens e serviços?
Porquê que não diminuem despesas de investimento e mesmo correntes?
Porquê que a frota de automóveis dos detentores de cargos públicos em vez de ser de alta cilindrada e muitas vezes gama alta, não é um carro utilitário? Em vez de ser trocados de quatro em quatro anos que é normalmente o período de duração do contrato de leasing porquê que não se opta pela compra em vez de fazer outro contrato para novos veículos de modo a que durassem o mesmo tempo que duram os carros das pessoas normais que não vivem de aparências?
Há muito onde se possa poupar na despesa de modo a evitar entrar-se até ao fundo dos bolsos dos que já por si são sempre cumpridores em matéria fiscal.
Os faltosos crónicos serão perpetuados haja ou não crise.
Quem se trama?!!!...
Que seja ao menos para não irmos todos ao fundo do poço…




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