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Sintra/Miranda do Douro, Portugal
Gosto de pintar,de escrever e de fazer trabalhos manuais.Sou simples e verdadeira. Tenho que pôr paixão naquilo que faço, caso contrário fico com tédio. Ensinar, foi para mim uma paixão; escrever e pintar, continua a sê-lo. Sou sensível e sofro com as injustiças do Mundo. A minha primeira língua foi o Mirandês. Escrevo nessa língua no blog da minha aldeia Especiosa em, http://especiosameuamor.blogspot.com em Cachoneira de Letras de la Speciosa e no Froles mirandesas.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Hoje sinto-me a ave fria, de luto

No último texto que escrevi, falava eu da cotovia que morreu de sede e de pranto por lhe terem tirado a pedra, onde, bem no centro, na covinha, fazia o sumo de amora e bebia com a palhinha de centeio.
Nem de propósito eu poderia ter escrito um texto tão oportuno! A cotovia poderia ter morrido também, se acaso tivesse ressuscitado...
Nasci numa casinha de pedra. Encostada à casa eram os estábulos e o palheiro da tia Chica Barriguita. Depois era mais um pedaço de casa onde me lembro de ver grandes arcas, estendendo-se em L a oficina de Ferreiro do meu avô fechando a seguir com a pocilga dos porcos em redondo. Mais tarde adquiriram as lojas da tia Chica ficando assim um pátio fechado não tivesse o meu avô derrubado o muro e o portão, ambos altos, porque a ruela contígua, a um nível mais baixo, era demasiado estreita e não havia largueza desejável para passarem os carros de bois das pessoas que ali moravam ou lá tinham os estábulos.
O tio Avelino, meu avô, não era capaz de negar um favor e assim, muro e portão foram abaixo, quando a minha mãe era criança, conta ela. Só me lembro do pedaço de muro, exactamente naquele ponto da ruela, abrindo-se mais desafogada em frente a estábulos, já não precisava do terreno de cima. A terra num nível superior foi caindo com o efeito do tempo e da chuva, alargando cada vez mais a ruela. Viam-se perfeitamente no chão as marcas dos limites, porque a estreita rua era de pedra, um calcetamento que se via tinha sido feito com muita sensibilidade e bom gosto, pedra ao lado de pedra, umas mais lisas e de maiores dimensões, outras arredondadas. Aquelas pedras guardavam história e muitas brincadeiras de crianças que, até ao toque das trindades corriam como pássaros. A rua empedrada terá surgido no tempo em que aldeia surgiu ali, quando, dizia-me a minha avó, a aldeia teve que sair do sítio de S. Lourenço por causa das formigas. Na falta de insecticidas para as combaterem, tiveram que mudar a aldeia. Resta lá a cruz da capela a vigiar a minha casa, construída recentemente naquele lugar.
Dói-me a alma só de pensar na escuridão do alcatrão e sinto calor aqui bem longe, como se lá estivesse, só de pensar o quão viscoso o sol o tornará no estio rigoroso do nordeste.
Hoje sou cotovia triste, mais uma vez, porque mais uma vez apagaram as marcas da história dos meus antepassados e desta vez, má sorte, com pazadas de alcatrão que detesto.
Tivesse ao menos feito uma despedida digna quando pela última vez há um mês e picos te vi!
Quem me dera ter sabido e olhar-te-ia longamente na derradeira vez. Iria seguir e sempre olhando como uma mãe a despedir-se dum filho condenado à morte.
Sou de novo cotovia, ou ave fria, de luto, triste e fria, como frias são as mentes que nada preservam.
Que haja progresso mas que esse progresso não se faça à custa do desmantelamento dos vestígios dos nossos antepassados.
Calçada linda que me miraste em todos os acordares, adeus!

2 comentários:

  1. Muito bonito, e triste ao mesmo tempo. Que um dia acordem todas essas recordações gravadas na pedra, quando o véu negro do progresso for finalmente destapado. Não deixes o cinzel parar.

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  2. O alcatrão impera, o mais gosto e a insensibilidade também...
    Obrigada pela força.

    Adelaide

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