Acerca de mim

A minha foto
Sintra/Miranda do Douro, Portugal
Gosto de pintar,de escrever e de fazer trabalhos manuais.Sou simples e verdadeira. Tenho que pôr paixão naquilo que faço, caso contrário fico com tédio. Ensinar, foi para mim uma paixão; escrever e pintar, continua a sê-lo. Sou sensível e sofro com as injustiças do Mundo. A minha primeira língua foi o Mirandês. Escrevo nessa língua no blog da minha aldeia Especiosa em, http://especiosameuamor.blogspot.com em Cachoneira de Letras de la Speciosa e no Froles mirandesas.

terça-feira, 30 de março de 2010

ADEUS- de Eugénio de Andrade

De um excelente poeta, um poema soberbo!...
Aqui o deixo porque adoro e, de tanto gostar, me arrepia.



Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Porquê

Porquê?
Porque insisto em procurar
Aquilo que sei perdido
Porquê que teimo em lembrar
Aquilo que já foi esquecido.

Sento-me á beira da estrada
Quase a cair para a berma
Nesta busca de desespero
Que nem eu própria sei se quero
Sem travão que me detenha.

Procuro no fundo de mim
Numa cave já sem ferrolhos
Quero sempre algo e nem sei
Se o que quero não o terei
Mesmo à frente dos meus olhos.

É sempre um misto de falta
Com o excesso de procura
É sempre alegria e dor
Num misto de amor e desamor
De ventura e desventura.

Quando um dia à minha porta
Ao passares e não me sentires
Nesta minha inquietação
Toma-me o pulso e o coração
Porque decerto, estou morta.

Aprendei a amar, diz-nos ela

Com as maldades do mundo
O mar galgou, levou a areia
A lua escondeu-se toda
E deixou de ser lua cheia.

As estrelas incandescentes
Com medo do ódio humano
Fizeram-se estrelas cadentes
Mergulharam no Oceano.

Fez-se tamanho tsunami
Naquele oceano medonho
Que o povo já só gritava
Isto é obra do demónio.

Os demónios são os humanos
Isso é que é uma certeza
A destruir e a matar
Os povos e a natureza.

Até que a natureza se insurge
Rebenta abana em desvario
Apaga-se o sol e as estrelas
E a terra morrerá de frio.

Diz-nos a Terra em pedido
Triste quase a suplicar
Filhos tenham mais juízo
Tendes que aprender a amar.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Nas asas do vento

Olho através da janela
E o vento insiste em uivar.
Abana, parte, agita
E eu fico lá a sonhar.
Depois comecei a imaginar
Como seria bom ir com o vento
Em loucuras viajar.
Soltei-me
E por momentos
Eu fui uma folha a voar.
Levada nos braços do vento
Subi montanhas, sobrevoei rios.
Depois molhada pela chuva
Constipada tremi de frio
Tive arrepios.
Depressa o vento me secou
E de novo ao céu subi
O Planalto estava verde
Lindo como sempre o vi.
Já cansada pedi ao vento
Para lentamente parar
Já me chegou a aventura
Agora quero ir descansar.
Fiquei outra vez cá dentro
Lá fora, receio não ousar
É vento da Semana Santa
E vai demorar a escapar.

A Primavera por um dia

Ontem a Primavera entrou devagarinho, pé ante pé, envergonhada mesmo. Os seus braços estenderam-se pelo meu quarto, disseram-me que com a mudança da hora me atrasara para o encontro e, suavemente levantaram-me o édredon e me disseram, é hora. Sai que hoje fiz um pacto de são convívio com o sol, o céu está azul e as primaveras dos prados sacudiram as gotas da chuva, estão prontas para te sorrirem.
Obrigada Primavera, disse-lhe eu. Vou seguir campos fora agarrada aos teus braços perfumados e, ajudada, subirei montes, galgarei rochedos, saltarei riachos sem medo de cair. Mas não me soltes nem por um instante que seja, Primavera. O Inverno enregelou-me as carnes, imobilizou-me os tendões, e ao caminhar, os ossos rangem-me que nem soalhos de tábuas, velhos.
Vem, segura-te aqui, disse-me a Primavera.
Partimos as duas, sem tino nem medo, sem roupas quentes nem meias grossas. Uma camisola leve e umas calças elásticas para nos dobrarmos facilmente para apanharmos as flores e as merujas. Tão poucas, lamentei-me!...
A chuva foi muita, correram os regos da água, ensoparam os lameiros, mas de tanta e com o sol envergonhado e frio as sementes encolheram-se e com o medo foram levadas pela corrente. Deixando-se ir, quando chegaram ao ribeiro, já apodrecidas, pereceram. As mais fortes sublevaram-se contra as adversidades e aí as tens, poucas mas ainda assim fortes e verdes. Tenho pena não te poder prendar com muitas mais, como tu gostas, para que as pudesses comer, ali no cantinho da cozinha, junto à lareira.
Apressa-te não vá o cuco cantá-las; apesar do frio do Inverno usurpador dos dias que por lei me pertenciam, ele aí está há muito tempo e, de vez em quando canta; assustado mas canta. Ainda não se aventurou a por ovos, porque com tanta chuva que tem caído os ninhos que roubou aos outros pássaros inundaram-se e, como tu sabes ele é um calão. Houve dias em que até esteve constipado. Ainda lhe perguntei porquê que tinha chegado com o tempo frio. Respondeu-me que na terra onde vivia houvera um incêndio devastador e que lhe queimara o calendário. Depois, desorientado, não sabia a quantas andava e que perdeu a noção dos meses. Tudo isto me relatou a Primavera com uma expressão mista de derrota e de vergonha, por se ter deixado vencer pelo taciturno Inverno.
Cheguei cansada, com um pé a doer, mas passei um dia tão feliz na companhia da Primavera!
Fiz planos para continuar a cantar com os passarinhos, apanhar flores, fazer colares, procurar novamente o cuco para tentar posicionar-me de modo que me cantasse do lado direito, que assim dá sorte, mas quando acordei e olhei, o sol estava encoberto, a chuva começava a cair neste dia, mais um que o Inverno usurpou à Primavera.
Junto à lareira, no silêncio quebrado pelo crepitar da lenha a arder e o vento que lá fora uiva enraivecido, estou a escrever. Os dedos em nervosismo e inquietação de prisioneiros, pediram-me o teclado em deterimento do pano do pó e do aspirador.
Esses, calmos, estão aqui ao meu lado à espera. Querem desfazer as obras de arte tecidas pelas aranhas na minha ausência mas tal como eu, não têm pressa.
Assim, enquanto escrevo, continua-se a cumprir o equilíbrio da natureza permitindo às aranhas que construam as suas teias para apanharem outros bichos de que se possam alimentar. É o equilíbrio dos ecossistemas.
Os humanos cá estão para o destruírem!... Também eu irei dar mais um passo para a co-responsabilidade nessa destruição, usando detergentes ao invés da água com o tradicional sabão azul e branco, desinfectando, lavando, esfregando, gastando,perfumando, arranjando o habitat adequado ao aparecimento de alergias.
Estranhos tempos estes em que destruimos mesmo tendo consciência de que o fazemos!...
Estranhas pessoas que nós somos, estranhas e egoístas...
Estranha é também a Primavera que teima em não ficar...

quarta-feira, 24 de março de 2010

A caminho da raia seca

Encontrei-me com a saudade e larguei-lhe a mão com um gesto brusco.
Solta-me!
Porque hei-de caminhar contigo se mesmo o presente me cansa! Não me venhas carregar as costas com esse passado como fardo de sola rija que tinha que contrabandear pelos caminhos da fronteira a corta mato, para não cruzar com as desumanidades desferidas sobre um contrabando de mísera subsistência.
Não vez que corro o risco de ir parar à prisão por causa de um punhado de fome que carrego?
Não te lembras dos ovos que me partiram a caminho da raia seca, tão seca quanto eu, que me esvaziaram a cesta e me queriam encher a mim, em cima da gemada que no chão ficou? Canalhas, filhos da puta, antes fome para todos os dias do que eu matar a fome a alguém a troco de chegar à fronteira.
É por isso que te solto a mão com violência.
Repara no que hoje te digo porque isto eu não te irei dizer novamente. Fizeste-me desenterrar o que eu já tinha enterrado há muito tempo num buraco com sete palmos de terra em cima, para não morrer de raiva e de vergonha.
Raiva dos que me roubaram o pão dos filhos, em fardos levados, em barros partidos, em favores pedidos, em favores forçados.
Filho da puta, cabrão de merda, hei-de esmagar-te os tomates para que deles não reste semente que semeies...
Mata-me, mata-me com a espingarda que o povo pagou e que carregas em nome da lei o do bom nome dum país. Atira se tens coragem quando eu fugir, para cobardemente, me atingires as costas.
É isto que me queres atirar, saudade?
Antes também tu me atires um tiro pelas costas, do que eu caminhar contigo a relembrar o que me oprimiu.
Ainda lhe estou a ver os olhos e aquela barriga gorda a querer ficar em cima, bafo de vinho saído duma bota espanhola roubada a caminho da fronteira, o som do rasgar da saia.
Cortei-lho com o desprezo na falta de faca, cortei-lho à dentada quando queria que lhe fizesse poucas vergonhas. Cortei-lho com os dentes e com a repugnância...
Cortei-lho e exibi-o como troféu no dia em que a ditadura terminou e me fez igual.
Cortei-lho quando deixei de carregar fardos a caminho da raia seca...
Cortei-lho neste preciso momento quando te quiseste abeirar de mim...

Como eu queria ver o sol neste dia claro e quente!...
Saudade!?
Só dos dias em que o sol raiou.
Hoje vejo o sol tão escuro...

terça-feira, 23 de março de 2010

Se...

Se a Primavera me trouxesse as andorinhas
Ao meu beiral deserto de cores lentas
Com musgo de inverno frio vestido
Em tempestades envolto e em tormentas.

Se o sol me trouxesse alegria ao peito
Onde vivem Outonos amarelecidos
Em cama de neblinas onde me deito
E acordo dos meus sonhos interrompidos.

Se os campos me trouxessem muitas rosas
Espalhava-as pelos jardins dos sem ventura
Que dormem destapados, desditosos
Em pedras frias, na rua da amargura.

Eu teria andorinhas, alegria, calor
As rosas, os beirais e o sol quente
Os leitos, os jardins, a paz e o amor
De mãos abertas daria, a muita gente.

sábado, 20 de março de 2010

Escrevo-te

Escrevo-te neste dia, um dia depois do teu dia.
Quis escrever-te ontem, mas não encontrei aquele doce que te queria mandar dentro do envelope para que o saboreasses ao ler a carta. Daquele que tu gostavas e que quando sobrava o comíamos pela calada da noite, tu ou eu, conforme o que mais cedo acordasse a madrugada. Ambos de sono leve, por vezes dávamos um encontrão ao atravessar a sala e comíamos o doce a meias, outras, o último a acordar bebia um copo de água para engolir o desalento.
Queria mandar-to com o molho bem docinho como gostavas, sem me interessar com a carta. Que se manchasse a carta de castanho, que importava!
Também hoje não te mando o doce, falta-me o jeito e há ingredientes que não tenho, são cheiros que não tenho onde os colher para lhe darem o aroma e sabor a preceito.
Mas escrevo-te para te mandar a saudade que me arrasa de cansaço, para te dar o beijo que me ficou suspenso naquela tarde em que se fez noite ao meio dia.
Tenho estrelas cadentes a deslizar nas faces que se extinguem no meu peito molhado, uma chuva de estrelas cadentes das que tu vias nas noites em que só a ti aquele céu estrelado pertencia, porque ninguém como tu era capaz de o ver.
Hei-de fazer para ti um poema doce, tão doce como o doce que te fazia,... um poema que leve as cores e os aromas que ambos tão bem conhecíamos, um poema com maresia, fruta fresca, um gin tónico com a rodela de limão, um whisky com duas pedras de gelo, um café...
Havemos de o comer a meias à dentada, ora tu, ora eu...

São flores de dores e melancolia

Caminhei
com os pés dilacerados
pedras soltas pontigudas,
cortantes como cristal.
Reclamei ao vento e à areia:
o vento fechou-se em vento
e da areia nem sinal.
Perguntei à chuva:
ó chuva porque levaste
a macieza do areal?!
A chuva fechou-se em nuvens
e das nuvens em temporal.
Sem saber o que fazer
virei-me para a terra mãe:
o que foi feito do teu carinho,
tenho cortes dilacerantes
que fiz pisando o caminho?!
Cortes? Em mim?!…
O que tu vês são flores
de texturas diversas
e de muitas cores,
saídas das minhas entranhas
à custa de muitas dores.
São filhas dum Inverno vadio
que me violou e,
nessa penetração forçada,
rasgou-me as carnes lisas,
abriu ventres,
nasceram rios
taparam-se rios,
as pedras são flores.
São flores de lágrimas,
derramadas dias a fio,
sem sol, sem luar,
anémicas mas fortes,
feitas de mágoas,
arrancadas à força,
em partos com fórceps,
sem sutura e anestesia...
São flores de dores
e de melancolia.

sexta-feira, 19 de março de 2010

É agora ou nunca mais será

Salta o prateado dos cabelos,
mesmo que os pés te pesem.

Salta os medos da tua alma,
mesmo que eles te amedrontem.

Salta o tempo,
mesmo que o tempo te fuja velozmente.

É agora ou nunca mais será,
porque agora estás,
amanhã quem sabe.

Porque agora a nau
está atracada ao cais para te levar
sem tempestade.

Porque o relógio se fez morto
para que chegasses a tempo.

Porque amanhã,...
quem sabe
se haverá...

Libertação da mulher- Raizes Bíblicas

( Neste dia do pai, a todos os pais que gostam que as filhas sejam livres)

Pouco conhecida é a história de Lilith devido à perversão e perigosidade a que ela está associada.
De acordo com certas interpretações da criação humana em Génesis, no Antigo Testamento, Lilith foi a primeira mulher de Adão, criada por Deus da mesma matéria ou seja, de barro.
Lilith entendeu que por ser da mesma matéria prima, não devia ser submissa a Adão, não entendeu o sexo sem liberdade (negava-se a fazer amor sempre debaixo dele).
Eva como toda a gente sabe a história, terá nascido da costela de Adão, uma forma de inferioridade e dever de submissão.
Quando Lilith reclamou de sua condição a Deus, ele respondeu que essa era a ordem natural, a supremacia do homem sobre a mulher em todos os domínios. Contestando, abandonou o Éden.
É acusada de ser a serpente que levou Eva a comer o fruto proibido, sendo vista como demónio com imensos mitos a ela ligados e, ao mesmo tempo que representava a libertação feminina também representava a castração masculina.
Nos dois últimos séculos a imagem de Lilith começou a passar por uma notável transformação em certos círculos intelectuais seculares europeus, por exemplo, na literatura e nas artes, quando os românticos valorizaram mais a imagem sensual e sedutora de Lilith, como foi representada por John Collier, no quadro exposto, pintada em 1892, em contraste à sua tradicional imagem demoníaca, nocturna, devoradora de crianças, causadora de pragas, depravação, homossexualidade e vampirismo.
Considerou que Eva e Adão cometeram adultério, na medida em que se considerava a mulher legítima de Adão e por isso amaldiçoava todas as relações ilegítimos e os frutos delas resultantes.
Corajosa e de espírito livre, foi a primeira mulher à face da terra a iniciar o movimento de libertação da mulher e a igualdade dos sexos.


quinta-feira, 18 de março de 2010

Para viver verdade

Não vês como fico
com ar indiferente!
Se queres que te responda,
fala-me de frente.

Bem nos olhos meus,
com sinceridade;
abana-me toda,
mas diz-me a verdade.

Olha-me de frente,
com integridade;
não quero mentira,
nem meia verdade.

Estarei em farrapos
e entristecida,
com a alma aos pés,
mas não serei vencida.

Partida em pedaços,
mas com dignidade,
a verdade pretendo,
para viver Verdade.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Nem sei porque te escrevo

Escrevo-te, porque aqui onde estou nada mais sou capaz de fazer, enroscada no frio que trespassa os ossos e me imobiliza os músculos; escrevo-te, porque mais nada tenho com que chame o sono ou quiçá mais não saiba fazer a esta hora.
Escrevo-te no silêncio da madrugda quandos os olhos se debatem contra os rituais contrariando o deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer, pestanejando frenéticos e estouvados que outra coisa não são, nesta teimosia de noctívagos penetrando a noite, vencendo medos, encetando conversas sob nuvens de fumo de cigarro e vapores de álcool.
Vai mais un copo, quiçá un charuto, um charro, olhos raiados de sangue e de cansaço, sôfregos de loucura e boémia, olhos que penetram na madrugadas tal qual chacais.
Escrevo-te na tertúlia dos solitários, daqueles que declamam para um grupo imaginário, ouvem, batem palmas, rasgam os poemas escritos à pressa e os deitam ao caixote dos lixo em minúsculos pedacinhos, para que, no dia seguinte deles não guardem sons, letras, rimas e deles não se envergonhem.
Escrevo-te no eco dos meus pés, quando sentada ensaio um passo de dança ao som da música e bato com eles na tejoleira e no bater seco das teclas, quando os dedos sedentos de aventura se deixam embalar neste balanceado entre letras, palavras e frases que nada dizem.
Escrevo-te porque sim ou escrevo-me a mim própria, para que eu própria sinta que aqui estou a horas mortas, em debates de vai dormir e os olhos e os dedos a desobedecerem.
Escrevo-te e nem eu mesma sei porque te escrevo, noite, madrugada...

Porque sou livre

Cada dia é um dia
Cada dia é uma vida
Que não podes desperdiçar
Porque cada dia é um segundo
Que tens que aproveitar.

Segue apoiado ao meu braço
Não porque te ampare
Mas porque te acompanho.
E, se eu tremer ou vacilar
Segura com força na minha mão
Envolve-me com os teus braços
Ajuda-me a caminhar.

A ti recorro, em ti me encosto
Quando com frio perco o andar
E, em meus arfares
Em ti arejo, brisa de mar.
Preciso de ti
Porque me prendes
Mas, preciso de ti
Porque sou livre!

sábado, 13 de março de 2010

Chamastes Maio



Floriram jarros a chamar Maio
Flor branca singela de erotismo feita
Tecida na brancura da seda e orvalho
Desafiaste a chuva, cresceste perfeita.

Nos teus secos pólenes abrigas amigos
Que com o frio se perderam, coitados
Entre chuva e geada a tremer sem abrigos
Em ti renasceram de amarelo pintados.

Ao florir de esperança vós chamastes Maio
O mês das flores em lameiros estendidas
Em belos jardins a preceito tratados
Ou em rochedos frios, da força nascidas.

Num rebentar cândido, trouxestes alegria
Ao meu jardim, abaixo afilados
E às minhas jarras aonde floristes
Trouxestes o calor aos dias gelados.

E com a vossa postura enfrentando o céu
Mirando de frente o sol que aquecem
Trouxestes-me a força que em mim cresceu
Contra as horas mortas que me enlouquecem.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Solta o beijo




Guardas nos lábios o beijo não dado
Daquela primavera cor de açucena
Perfume de jasmim em ti guardado
Resquício eterno da tua pobre pena.

Liberta-o dos lábios, não o catives
E de tão livre, ele será o vento
Manda-o nas palavras que não dizes
Apertadas em grande sofrimento.

Larga-o! Só se cumprirá se for liberto
Nos lábios entreabertos à sua espera
Expectantes, morando a céu aberto
Em desejos secretos, quase quimera.

Adoça-o com mel, doce colheita
Obreira incansável, gineceu em flor
Vive noite e dia de labutas feita
Guardadas no tempo, em favos de amor.

Solta o beijo, nada te amedronte
E assim liberto, ele siga o caminho
Do amor e a outra boca encontre
Para finalmente, cumprirem o destino.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Navega, barco perdido

Cada vez que te toco
Deixo o meu sinal em ti
Numa tatuagem a ferro e fogo
Que nunca arrancarás

Cada vez que te encandeio
Descubro os teus desejos
Os teus segredos mais fechados
Em baús nunca abertos

Sou a sereia que para ti canta
E te desencaminha no mar
Te faz perder o rumo, o destino
E se perde no teu navegar

Caminha nas curvas do meu corpo
Nas encruzilhadas dos caminhos
Acerca-te do navio dos meus desejos
Navega nas águas, barco perdido

Todos os dias

Libertem-nas!
Libertem-nas das amarras
Do corpo e da alma
Que não as deixam respirar

Não lhe dêem flores hoje
Dai-lhes lágrimas
Que juntas por serem tantas
Farão um imenso mar

Dai-lhes um barco
Com remos fortes
Para que com força
Saiam de lá a remar

Dai-lhes um ombro
Dai-lhes beijos
Dois olhos
Para as olhar

Dai-lhes a chave
Com que desfechem
O cadeado das correntes
Que não as deixam caminhar

sábado, 6 de março de 2010

Vestido de chita

Para que me dás brocados
Tão vistosos e pesados
Estás cansado de saber
Que o que eu gosto a valer
É dum vestido de chita.

Pode ser lisa ou com flores
Pode ter uma ou mais cores
Com riscas ou com quadrados
Pode ter rendas ou bordados
Em cima da pura chita.

Faz-me dela saia rodada
Só franzida ou pregueada
Pode cheirar a terra ou mar
Erva acabada de cortar
Na simplicidade da chita.

A condizer com o vestido
Bem feito e colorido
Põe-me um laço no cabelo
Para que nele possas vê-lo
O meu coração de chita.

Com chita serei seara
Livre ao vento se agita
Serei o mar ondulado
Serei bailarina e bailado
A esvoaçar como a chita.

Que de chita sou eu tecida
Da que o povo um dia vestiu
Daquela que livre e erguida
Em Abril um dia floriu
Craveiros simples de chita.

I had a farm in África


I had a farm in África…
É assim que o filme África Minha começa, na voz de Meryl Streep, atriz que tão bem interpreta o papel da escritora Karen Blixen, naquela que foi uma história da sua vida real em África e que tão primorosamente Sydney Pollack passou para os écrans.
Baseado nos livros, Den AfriKanske Farm e Shadows in the Grass de Karen von Blixen, sob o pseudónimo Isak Dinesen, foi para mim um filme marcante e julgo que terá sido para todos, nomeadamente para aqueles que, tal como eu, viveram na enigmática África.
Eu não tive uma fazenda em África, eu não dirigi uma plantação de café, eu não era casada com um barão molherengo, nem me apaixonei por um guia de safaris, pelo menos nesse sentido carnal. Confesso que não me importava de ter vivido essa paixão arrebatadora.
Apaixonei-me por outro caçador guia de safaris, uma paixão diferente daquela que Karen Blixen viveu, o meu pai.
Não tive a fazenda em África, tive sim um pedaço de terra atravessado por um pequeno rio, ladeado de gigantescas e frondosas árvores por onde trepavam lianas entrelaçadas e nas quais eu andava de baloiço.
Um pedaço de terra de dois ou três hectares. O meu pai requereu a concessão ao Governo, e, apesar de sucessivos requerimentos nunca lhe foi concedida. Era aquele pedaço de terra anexo à coutada de caça do poderoso Champalimaud, bem próximo da zona habitacional, onde aliás por ser tão próximo, nos deslocávamos por vezes a pé.
Éramos amigos do casal responsável pelas instalações. Dizia-me o meu pai que o Eng. Jardim teria sido o responsável para que a nossa pequena quinta fosse usufruída clandestinamente, o que aliás nunca foi problema. Nunca ninguém nos foi pedir o certificado de concessão.
Também o meu pai se relacionava muito bem com o senhor António Champalimaud, com quem caçou diversas vezes e lhe serviu de guia de caça. Também dos filhos ainda muito jovenzinhos o meu pai contava muitas histórias e por quem nutria uma grande amizade. Lembro-me da história da construção da casa em cima duma árvore e que, para crianças de nove ou dez anos foi um nascer de aventura e duma amizade muito pura; da casa que os três construíram em madeira,alta e estreita como se fosse uma torre, para expandírem os sonhos de adolescentes e que preferiam, em vez da luxuosa mansão.
Vou passar à minha pequena quinta clandestina e às minhas vivências naquilo que eu achei que seria o meu paraíso no coração de África, O Ingase. Aqui há tempos consegui mostrá-lo aos meus filhos, num plano superior ao rio, marcado a mais escuro, no Google Earth.
Um rio, uma fonte de água cristalina que o meu pai cavou, um lago que recebia a água onde patos nadavam naquela frescura da sombra das árvores.
Casas de madeira com telhado de colmo, uma delas construída no cimo dum monte feito pelas formigas e que mais parecia um farol a despontar acima das copas das árvores. Várias casinhas cada uma com a sua finalidade: Uma maior onde ficava a zona de refeições com um excelente frigorífico a petróleo, os quartos de dormir, a casa de banho lá ao fundo onde um balde com uma torneira e um crivo servia de chuveiro, a casa do ronda um homem de quem não se sabia idade e que tratava da horta e das galinhas, a casa da caça.
Soubemos que, depois do 25 de Abril a Frelimo terá utilizado o nosso pequeno paraíso, como escola e ainda bem. Ao menos teve utilidade.
Será que um dia lá conseguirei ir sem que seja em sonhos? As imagens chegam-me já muito difusas quando penso naquele sítio, acho que me faltam alguns pormenores mas, mesmo assim conseguiria identificá-lo. Guardo ainda alguns filmes em Super 8, feitos lá.
Uma plantação de ananases, um mangal, papaieiras, macacos, muitos, muitos e que viviam em cima das árvores, sobre os tectos das casas; cobras, gaselas, pássaros.
Então Ronda, as galinhas?
Xi, patrão, bicho roubou todos ela... num tem maneira, patrão!
Não havia loja onde se abastecesse e as barriguinhas das crianças pediam comida.Fazia bem o Ronda. Tem piada que nunca nos disse o nome. Para mim o nome dele era efectivamente, Ronda.
O Ronda, um homem alto e magro, sem idade mas, se a idade se lhe conhecesse seria próxima do século. Nada se lhe conhecia que não fosse aquele corpo esgui, um pouco cambaleante quando, com os braços um pouco trémulos, carregava os dois baldes de água, escadaria acima, colhida na fonte a alguns metros abaixo do nível das casas.
Vivia com a mulher jovem e duas meninas de nomes Ganhiua e Unsapo.
A mulher ausentava-se por uns tempos e a seguir a barriga crescia.
O meu pai dizia-lhe: Ronda, teu mulher anda a ponhar-te inhanga!
Xi patrão, mulher pode ponhar inhanga, mas filho é sempre nosso, respondia o ancião.
Uma alegria sempre que íamos passar lá uns dias, o meu paraíso, a minha quinta em África...
I Had a farm in África!
Eu tive uma quinta em África do tamanho duma herdade, do tamanho de uma coutada, do tamanho dum país, do tamanho do mundo, porque aquela quinta não tinha muros, nem arame farpado, tinha por limites o limite da minha imaginação.
Tinha acordares ao som dos macacos e dos pássaros, chilreios afinados.
Tinha adormeceres ao som dos risos das hienas e de toda uma infinidade de sons da noite, daquela noite quente e acolhedora de África, por baixo do mosquiteiro de rede fina.
Tinha caçadas durante o dia, espingarda pronta, os dois, não fosse aparecer subitamente um búfalo ou elefante solitários, sempre muito mais perigosos que em manada.
Tinha caçadas à noite,com um jeep sem capota nem portas. Era tudo de lona, preso em armação de ferro mas que tudo tirávamos para maior liberdade.
Os olhos do leopardo apanhados pela luz dos focos que trazíamos na cabeça e que acendíamos e lançávamos floresta adentro. Quanto mais escura a noite fosse melhor era, para que melhor dessem os olhos, para o tiro certeiro entre eles. O cheiro, o inconfundível cheiro do leopardo que deixava por onde passava,demarcando terreno e que eu tão bem identificava quando, em noites de luar, por haver mais luz nos fugiam os olhos da mira e o seguíamos pela floresta.
Tinha um pai, caçador profissional que me servia de escudo à frente dos rugidos dos leões, das manadas de elefantes e dos búfalos, e de antídoto nas mordeduras das cobras.
Tinha os búfalos nos tandos de Manica e Sofala, aos milhares e que, à noite, quando os faróis do jeep lhe batiam, parados e virados todos na nossa direcção, aquela planície se transformava em cidade iluminada com milhares de luzinhas.
Tive um pai com a sensibilidade do tamanho do universo e que, aos seus olhos tudo era belo e que me ensinou a amar a natureza e a observar uma pedra que fosse, só porque essa pedra era diferente em qualquer pormenor.
Tinha amanheceres e entardeceres com cores magníficas, trovoadas, os relâmpagos entrelaçados nas árvores, o rebentar estridente dos trovões, a chuva quente e o fumegar ao cair no solo escaldante, as queimadas, as gazelas saltitantes, as gondongas com o seu correr descoordenado.

Eu tive uma herdade em África, do tamanho do meu sonho!... I had,... I had, indeed!...

Eu tenho uma saudade imensa dos dois!...
Of course, I have!...


sexta-feira, 5 de março de 2010

Quero dormir, tanto, tanto...

O dia começa a despontar em casa de cada um. Na minha casa, no meu miserável corpo cansado por sucessivas insónias, despontou há muito tempo, demasiado tempo.
O sol está a espreguiçar-se para mais uma jornada. Resta saber se se mostrará para cá das nuvens.
A chuva já cansa, os temporais muito mais e mais do que cansar, amedrontam. O Fevereiro namoradeiro doutros anos, este ano mostrou-se frio, molhado e feroz.
Veremos Março, ele que por norma é de grande instabilidade!
Apetece sol, apetece luz, apetece passear nos paredões à beira mar sem que haja receio de apanhar com uma onda que nos leve para o fundo do Oceano.
Até o Mediterrâneo se tem mostrado feroz e imprevisível, vociferando com ondas gigantescas a inundar navios, amedrontar e matar gentes. Imagine-se, o pacato Mar Mediterrâneo!
Apetece-me passear pelo campo, ouvir o canto do cuco, o matraquear das cegonhas, apanhar flores silvestres para pôr na jarra da minha vida, para que me acompanhem os passos com a sua singeleza e o seu perfume envergonhado.
Sinto-me triste e quando assim é, não me apetece lançar-me à vida. Estou exausta.O que vale é que é momentâneo e logo depois me sacudo...
O meu sono não reconhece a noite e, durante o dia as pálpebras teimam em não se fechar. Cansam-me as noites infindáveis, pesam-me os dias de cansaço. Quero dormir, no mínimo um dia inteiro, sem intervalo para comer ou beber.
Quero dormir, tanto, tanto...

Lancei-te ao vento

Perdi-te
entre o nevoeiro da mente
e, de repente se fez
ausência.

Perdi-te
nos lapsos de memória,
escuridão do dia,
demência.

Perdi-te
nas veredas dos minutos,
segundos sinuosos,
premência.

Procurei-te
em palavras,
letras em cascata,
urgência.

Achei-te
e, de mãos abertas
te solto ao vento,
cedência...

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