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Sintra/Miranda do Douro, Portugal
Gosto de pintar,de escrever e de fazer trabalhos manuais.Sou simples e verdadeira. Tenho que pôr paixão naquilo que faço, caso contrário fico com tédio. Ensinar, foi para mim uma paixão; escrever e pintar, continua a sê-lo. Sou sensível e sofro com as injustiças do Mundo. A minha primeira língua foi o Mirandês. Escrevo nessa língua no blog da minha aldeia Especiosa em, http://especiosameuamor.blogspot.com em Cachoneira de Letras de la Speciosa e no Froles mirandesas.

sábado, 6 de março de 2010

I had a farm in África


I had a farm in África…
É assim que o filme África Minha começa, na voz de Meryl Streep, atriz que tão bem interpreta o papel da escritora Karen Blixen, naquela que foi uma história da sua vida real em África e que tão primorosamente Sydney Pollack passou para os écrans.
Baseado nos livros, Den AfriKanske Farm e Shadows in the Grass de Karen von Blixen, sob o pseudónimo Isak Dinesen, foi para mim um filme marcante e julgo que terá sido para todos, nomeadamente para aqueles que, tal como eu, viveram na enigmática África.
Eu não tive uma fazenda em África, eu não dirigi uma plantação de café, eu não era casada com um barão molherengo, nem me apaixonei por um guia de safaris, pelo menos nesse sentido carnal. Confesso que não me importava de ter vivido essa paixão arrebatadora.
Apaixonei-me por outro caçador guia de safaris, uma paixão diferente daquela que Karen Blixen viveu, o meu pai.
Não tive a fazenda em África, tive sim um pedaço de terra atravessado por um pequeno rio, ladeado de gigantescas e frondosas árvores por onde trepavam lianas entrelaçadas e nas quais eu andava de baloiço.
Um pedaço de terra de dois ou três hectares. O meu pai requereu a concessão ao Governo, e, apesar de sucessivos requerimentos nunca lhe foi concedida. Era aquele pedaço de terra anexo à coutada de caça do poderoso Champalimaud, bem próximo da zona habitacional, onde aliás por ser tão próximo, nos deslocávamos por vezes a pé.
Éramos amigos do casal responsável pelas instalações. Dizia-me o meu pai que o Eng. Jardim teria sido o responsável para que a nossa pequena quinta fosse usufruída clandestinamente, o que aliás nunca foi problema. Nunca ninguém nos foi pedir o certificado de concessão.
Também o meu pai se relacionava muito bem com o senhor António Champalimaud, com quem caçou diversas vezes e lhe serviu de guia de caça. Também dos filhos ainda muito jovenzinhos o meu pai contava muitas histórias e por quem nutria uma grande amizade. Lembro-me da história da construção da casa em cima duma árvore e que, para crianças de nove ou dez anos foi um nascer de aventura e duma amizade muito pura; da casa que os três construíram em madeira,alta e estreita como se fosse uma torre, para expandírem os sonhos de adolescentes e que preferiam, em vez da luxuosa mansão.
Vou passar à minha pequena quinta clandestina e às minhas vivências naquilo que eu achei que seria o meu paraíso no coração de África, O Ingase. Aqui há tempos consegui mostrá-lo aos meus filhos, num plano superior ao rio, marcado a mais escuro, no Google Earth.
Um rio, uma fonte de água cristalina que o meu pai cavou, um lago que recebia a água onde patos nadavam naquela frescura da sombra das árvores.
Casas de madeira com telhado de colmo, uma delas construída no cimo dum monte feito pelas formigas e que mais parecia um farol a despontar acima das copas das árvores. Várias casinhas cada uma com a sua finalidade: Uma maior onde ficava a zona de refeições com um excelente frigorífico a petróleo, os quartos de dormir, a casa de banho lá ao fundo onde um balde com uma torneira e um crivo servia de chuveiro, a casa do ronda um homem de quem não se sabia idade e que tratava da horta e das galinhas, a casa da caça.
Soubemos que, depois do 25 de Abril a Frelimo terá utilizado o nosso pequeno paraíso, como escola e ainda bem. Ao menos teve utilidade.
Será que um dia lá conseguirei ir sem que seja em sonhos? As imagens chegam-me já muito difusas quando penso naquele sítio, acho que me faltam alguns pormenores mas, mesmo assim conseguiria identificá-lo. Guardo ainda alguns filmes em Super 8, feitos lá.
Uma plantação de ananases, um mangal, papaieiras, macacos, muitos, muitos e que viviam em cima das árvores, sobre os tectos das casas; cobras, gaselas, pássaros.
Então Ronda, as galinhas?
Xi, patrão, bicho roubou todos ela... num tem maneira, patrão!
Não havia loja onde se abastecesse e as barriguinhas das crianças pediam comida.Fazia bem o Ronda. Tem piada que nunca nos disse o nome. Para mim o nome dele era efectivamente, Ronda.
O Ronda, um homem alto e magro, sem idade mas, se a idade se lhe conhecesse seria próxima do século. Nada se lhe conhecia que não fosse aquele corpo esgui, um pouco cambaleante quando, com os braços um pouco trémulos, carregava os dois baldes de água, escadaria acima, colhida na fonte a alguns metros abaixo do nível das casas.
Vivia com a mulher jovem e duas meninas de nomes Ganhiua e Unsapo.
A mulher ausentava-se por uns tempos e a seguir a barriga crescia.
O meu pai dizia-lhe: Ronda, teu mulher anda a ponhar-te inhanga!
Xi patrão, mulher pode ponhar inhanga, mas filho é sempre nosso, respondia o ancião.
Uma alegria sempre que íamos passar lá uns dias, o meu paraíso, a minha quinta em África...
I Had a farm in África!
Eu tive uma quinta em África do tamanho duma herdade, do tamanho de uma coutada, do tamanho dum país, do tamanho do mundo, porque aquela quinta não tinha muros, nem arame farpado, tinha por limites o limite da minha imaginação.
Tinha acordares ao som dos macacos e dos pássaros, chilreios afinados.
Tinha adormeceres ao som dos risos das hienas e de toda uma infinidade de sons da noite, daquela noite quente e acolhedora de África, por baixo do mosquiteiro de rede fina.
Tinha caçadas durante o dia, espingarda pronta, os dois, não fosse aparecer subitamente um búfalo ou elefante solitários, sempre muito mais perigosos que em manada.
Tinha caçadas à noite,com um jeep sem capota nem portas. Era tudo de lona, preso em armação de ferro mas que tudo tirávamos para maior liberdade.
Os olhos do leopardo apanhados pela luz dos focos que trazíamos na cabeça e que acendíamos e lançávamos floresta adentro. Quanto mais escura a noite fosse melhor era, para que melhor dessem os olhos, para o tiro certeiro entre eles. O cheiro, o inconfundível cheiro do leopardo que deixava por onde passava,demarcando terreno e que eu tão bem identificava quando, em noites de luar, por haver mais luz nos fugiam os olhos da mira e o seguíamos pela floresta.
Tinha um pai, caçador profissional que me servia de escudo à frente dos rugidos dos leões, das manadas de elefantes e dos búfalos, e de antídoto nas mordeduras das cobras.
Tinha os búfalos nos tandos de Manica e Sofala, aos milhares e que, à noite, quando os faróis do jeep lhe batiam, parados e virados todos na nossa direcção, aquela planície se transformava em cidade iluminada com milhares de luzinhas.
Tive um pai com a sensibilidade do tamanho do universo e que, aos seus olhos tudo era belo e que me ensinou a amar a natureza e a observar uma pedra que fosse, só porque essa pedra era diferente em qualquer pormenor.
Tinha amanheceres e entardeceres com cores magníficas, trovoadas, os relâmpagos entrelaçados nas árvores, o rebentar estridente dos trovões, a chuva quente e o fumegar ao cair no solo escaldante, as queimadas, as gazelas saltitantes, as gondongas com o seu correr descoordenado.

Eu tive uma herdade em África, do tamanho do meu sonho!... I had,... I had, indeed!...

Eu tenho uma saudade imensa dos dois!...
Of course, I have!...


3 comentários:

  1. Quem não sentiu a magia de "África Minha"? Quem não sente nostalgia por não ter vivido em África?Realmente parece que África faz parte de nós.
    Prefiro o olhar do sonho lindo que alguns, com espirito aventureiro, tornaram realidade. Os outros olhares hoje, aqui, não entram ...

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  2. Que bom ler a Adelaide! Muitos beijinhos!Xana

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  3. Obrigada Teresa.

    Obrigada Xana.É um prazer recebê-la no meu cantinho.

    Beijinhos,

    Adelaide

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